segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Máquina de Estalos

Dói-me o pescoço. Todos os dias acordo com um torcicolo sem perceber bem porquê. Já fiz exames para ver se tenho aqui alguma hérnia a comprimir-me o nervo e nada. Está tudo bem. Tudo bem o tanas! …E como é que faço marcha atrás sem olhar pelo retrovisor? E como olho por cima do ombro quando um amigo me diz que vai ali uma moçoila de fartos atributos? Pus-me a pensar, voltei a pensar e a dor não passava. Percebi que o pensamento não é analgésico. Tive de pensar mais um bocado para encontrar uma explicação lógica para a enfermidade. Já sei! Se é pela manhã que a pescoceira está mais empenada,  será alguma coisa que me assalta nos sonhos nocturnos. Mas qual a acção capaz de deixar o externocleidomastoideo (achei que ficava bem aqui uma palavra com uma dimensão similar à dor do  meu torcicolo) neste deplorável estado?  Só se for um sonho repleto de…chapadas(?).  Continuei em busca de respostas, questionando que tipo de chapadas virtuais conseguem operar este desconforto. Uma chapada por definição é um contacto brusco entre a palma de uma mão alheia e dura, contra uma face própria e fofinha.  Mas pior do que a chapada é o estalo, apesar de significarem o mesmo. O estalo soa mais agressivo e ruidoso do que a chapada. Se derem a escolher entre “Queres levar uma chapada ou um estalo”, a opção vai claramente  para a primeira opção.  A chapada é o que se dá no rabiosque do menino quando limpa as mucosas nasais ao sofá novo; já o estalo é o que um homem dá a outro, quando o apanha com a sua mulher na cama; dá-lhe um estalo nas ventas e outras coisas desagradáveis, …como um pontapé no rabo e uma facada no dorso. Mas mais contundente do que um estalo, apenas uma sucessão de estalos com variação da lateralidade.  É isso que dá cabo da cervical; que arruína aquele músculo com um nome muito grande.  Lembrei-me das medidas que estão a ser implementadas para exterminar o deficit e …tudo o resto. E como aquilo me soa a uma aplicação de estalos sucessivos. Recebo em casa a carta com a reavaliação do imóvel e  o aumento do IMI que faz de mim um feliz proprietário (estalo na bochecha esquerda). Saio de casa para abastecer o veículo, parece que a gasolina aumentou hoje, pela quadragésima vez este ano, meto um bocadinho para chegar ao emprego antes de começar ir de carroça (dizem-me que a palha ainda não tem o IVA a 23%)  ou a penantes (estalo na bochecha direita). No emprego dão-me a folha de vencimento e explicam-me quanto irei receber a menos este ano, para pagar mais IRS, mais IMI e mais IVA (estalo na bochecha esquerda).  Não sei bem porquê, mas todas as siglas que nos despertam essa alegria esfusiante, começam por “I”. Deve ter a ver com o “Impressionante” que nos sai pelas cordas vocais quando abrimos o envelope, ou serão os “Impropérios” que nos invadem o pensamento?... De estalo em estalo o torcicolo aumenta de dor. Chegou a hora de fazer uma referência ao Obelix, o meu herói infantil, que caiu dentro do caldeirão da poção mágica em pequeno e desancava nos romanos sem complacência. Uma verdadeira máquina de distribuição de estalos nas bochechas alheias. E como aquilo era bom de ver: um gordinho, que em vez de ser escolhido para ir à baliza, tinha o inverosímil poder de despachar romanos e javalis ao ritmo a que Gaspar despacha  as nossas finanças.  Eu achava piada à carga de estalos dos gauleses, porque nunca me tinha colocado no lugar dos pobres romanos. E é como um desprotegido legionário romano que me sinto. Agarrado pelos colarinhos a enfardar galhetas, sem conseguir ripostar.  O mais preocupante é a total incapacidade que sinto de poder olhar por cima do ombro do agressor, não para ver uma moçoila de fartos atributos, mas para vislumbrar uma réstia de esperança de que os estalos irão parar. Resta-me a ilusão de que o druida Panoramix me bata à porta e me ofereça um gadanho de poção mágica,  para poder ripostar e mandar o gordinho defender bolas para uma qualquer baliza num desses campos pelados no interior da Gália mais profunda…

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