O aparecimento de
novas e surpreendentes medidas anti-moléstia não nos deixa cair na monotonia. A
emoção surge a cada curva, com a incerteza permanente de que mais ideias
estapafúrdias os tipos se irão lembrar. Depois daquele golo do Éder no europeu
totalmente inesperado, o síndrome do “pontapé na erva e a coisa deve entrar”
ficou para ficar. Desta vez lembraram-se
de colocar o senhor Artur, gerente daquele hostel muito simpático, a avaliar a
nossa limpeza nasal. “Boa tarde. Para o check in preciso do seu cartão de
cidadão, do seu Visa e que escarafunche o seu septo nasal com essa zaragatoa e
coloque aqui a ranheta no teste da gravidez para ver se está a fecundar a tal
virose”. Ou isso, ou o certificado de vacinação,
uma espécie de carta de condução de veículos de matérias inflamáveis. Aquele
que permite o transporte e distribuição do vírus de forma quase segura. “Epá
que líquido é esse que está a escorrer daquela torneira da cisterna? Deixa lá! é
só um bocadinho do tal bicho, mas devidamente certificado”. Eu cá
antes quero apanhar o bicho através de um tipo que tenha as vacinas em dia. É
um vírus mais asseadinho; já vem com o banho e a vacina tomados. Um vírus
apanhado de um gajo sem certificação é sempre arriscado; é como comprar uma
Lacoste na candonga. O crocodilo pode desbotar na 1ª lavagem. A mulher de um
colega meu, devidamente certificada, transmitiu o vírus à filha e a coisa não
desbotou. Continuou a dar positivo ao fim de 10 dias. Era produto do bom. No
momento em que a maioria dos países europeus já está a desconfinar em grande,
nós os pequenos, continuamos a surpreender-nos em grande. A cada 5ª f surge uma nova finta, capaz de
partir os rins a qualquer Ruben Dias. Por vezes essas fintas são feitas em
direção à própria baliza, mas não deixam de ser inesperadas e de embelezar o
espetáculo. Os nossos epidemiologistas
são os melhores estrategas da europa. Enquanto toda a malta partiu para o
ataque, percebendo que chegar aos penáltis (leia-se falência económica
coletiva) seria um bocado arriscado, cá nós continuamos na retranca, fechados
lá atrás, à espera do tal golo milagroso do Éder. Esses franceses já nem
máscara usam na rua, está tudo ao molho, deixam a economia entrar pelas alas,
mas no final, quem vai levantar a taça, seremos nós! Na nossa filosofia do
“joga feio mas eficaz”, temos no entanto algumas lacunas que nem os melhores
epidemiologistas conseguiram prever. O avançado é mandrião , não recua, o lateral
esquerdo é fracote e todas as viroses entram por aquele lado. Quando é para
defender, temos de defender todos em bloco, colocar o autocarro lá atrás. Ou é
para todos levarem a vacina, ou são substituídos e vão para o balneário de
castigo voltados para a parede com umas orelhas de burro, ou então andam sempre
com o autoteste na carteira para escarafunchar a narigueta, que não queremos
que produtos contrafeitos andem por aí à solta.
Mas os nossos especialistas pensaram em tudo e
flexibilizaram a coisa. Na zona
defensiva(hotéis) não há margem para manobra, só entra quem é do bem; o resto
fica à porta. O ponta de lança adversário, antes de chegar à grande área, já
levou um biqueiro na canela q’é pra
aprender a não se armar em Lacoste que debota. Nas alas (restaurantes), poderemos
aliviar a pressão. A partir de 6ªf ao jantar, tudo na retranca, só entra com
certificado ou zaragatoa, que o vírus vem aí a fazer das suas com toda a força.
Durante a semana já toda a malta pode comer um arroz de marisco, que o bicho está
distraído a pressionar em outras paragens.
É a chamada segregação flexível. Segregas ao fim de semana, agregas
durante a semana. Comparar este regime de segregação ao praticado em Pretória
durante o regime do apartheid, até é ofensivo, uma vez que os nossos autocarros
para a Reboleira continuam apinhados e sem separação física para indivíduos de
pureza certificada. Este certificado de
vacinação está agora a chegar aos escalões de formação, para não se correr o
risco de vermos um cavalão da França fazer gato sapato do nosso lateral
iniciado, apesar do nosso iniciado não precisar de mais velocidade. Parece que
a vacinação nos jovens é importante por causa dos avós dos jovens que já foram
vacinados . Ficam assim ambos com o certificado e podem transmitir mutuamente
em completa segurança. Aquele casal que
tinha o restaurante de bairro que faliu coloca
a sua dúvida: “Olhe lá ó mister, acha já podemos passar ao ataque ou
continuamos aqui na retranca à espera de um milagre? É que eu já não consigo
pagar a renda da casa…”; “Mantém-te
firme, Samuel! Eu já mandei aquecer o Éder. Pode ser que ele consiga meter a
bola lá para dentro de novo. Deixa-me só perguntar se ele já tem o certificado de vacinação para poder entrar. Caso
não tenha, posso sempre mandar aquecer o massagista. Esse tem a devida certificação...”