terça-feira, 10 de julho de 2007

Ajunta!...Ajunta!



Um professor sem a laringe foi considerado apto pela junta médica para dar aulas de Filosofia numa escola secundária. Se começássemos assim uma conversa com um amigo receberíamos logo a resposta “Seu brincalhão…, estás sempre na reinação” . Se eu acrescentasse que, depois do cancro e da remoção da laringe, o professor não foi apenas a uma junta médica, mas a várias e todas elas o consideraram apto para leccionar, o meu amigo não poderia deixar de responder acompanhado por um ar jocoso “Epá deixa-te lá disso, existem petas bem pregadas, mas com esse exagero ninguém acredita em ti!”. Só quando lhe puxamos pelos colarinhos e lhe dizemos com a nossa melhor colocação de voz … “É VERDADE!!!” é que ele nos começa a levar a sério. Eu acreditei logo à primeira, porque já conhecia as capacidades desses implacáveis personagens. Há uns anos, ao acompanhar a minha mãe, paraplégica, professora de Educação Física, que se preparava para pedir redução ao fim de muitos anos a dar aulas em cadeira de rodas, tomei consciência da extrema amabilidade como foi recebida: “a senhora é mesmo paraplégica?...” com uma cara de que faltaria ali acrescentar “…ou foi alugar essa cadeira de rodas ali nos chineses só para nos enganar?”. À minha mãe também apetecia responder “Não; sabe, é que eu tenho um gosto especial por actividades radicais com veículos rolantes. Há indivíduos que curtem o Skate, outros curtem as biclas e eu curto as cadeiras de rodas, dá para fazer mais manobras”.
Não sei como é feita a selecção dos tipos da junta médica, mas deve ser das provas mais duras que existem. Começam logo por incutir nos candidatos a máxima “O tipo que está à tua frente mente de forma descarada e não merece clemência”. Se ao fim de todos os inquéritos e atestados se descobrir que o tipo afinal não está a mentir, então troca-se pela outra máxima “o tipo que está à tua frente não mente de forma descarada e tu vais ajudá-lo a encontrar e a desenvolver o seu outro lado” . Um professor que não consegue falar, pode perfeitamente desenvolver outras capacidades como a comunicação telepática, através de ondas magnéticas, como forma de potenciar as aprendizagens dos seus alunos. Se os alunos não percebem patavina, terá de se esforçar mais um bocado e encontrar outras formas de comunicação; talvez através da mímica filosófica(?) . Mas quando eu penso nas provas de selecção do candidato a inquiridor da junta médica, existe uma imagem que não me sai da cabeça: a do jogador de Râguebi. Para além da cara de mau que tem de fazer para o seu opositor e do pescoço musculado que assusta qualquer criancinha ao pequeno almoço, tem de assumir a postura do “Aqui ninguém passa! Nem que seja o Papa, o Xanana ou a princesa das Astúrias. Vai tudo ao chão! ” E é assim que o verdadeiro avaliador da junta deverá agir. Sem compaixão; com dureza; pronto para aplicar a placagem no momento certo. Não importa que seja cego, surdo, mudo, paraplégico, esquizofrénico. Ou estão a mentir e são agarrados; ou não estão a mentir e…são agarrados na mesma, apenas com a diferença de lhes fazerem uma festinha no couro cabeludo depois de os mandar ao chão. - Vá, agora que já percebeste que não passas daqui, vai lá para o teu cantinho e não voltes a tentar a gracinha! A ideia base subjacente ao avaliador é a de que o indivíduo que está ali a pedir reforma antecipada ou redução de serviço é sempre a do malandro que se quer escapulir com a bola nas mãos (na versão desportiva); do malandro que se quer escapulir sem pagar a conta na discoteca (na versão nocturna); do malandro do bezerro que se quer escapulir da pega de caras (na versão tauromáquica). Em qualquer delas o denominador comum é “Malandro que se quer escapulir” dito em tom agressivo e despoletador de um sentimento de repulsa que convém manter, para aplicar o golpe sem arrependimentos. A própria designação “A junta” tem uma carga colectiva inerente a todos os exemplos dados. Quer os jogadores de Râguebi, quer os seguranças da discoteca, quer os aspirantes a forcados utilizam uma expressão em tudo similar que visa a união do grupo em torno no mesmo objectivo bloqueador e que diz “Ajunta, ajunta, q’é pró malandro não fugir!”
E lá vai mais um malandro à junta médica da caixa de aposentações. - Está aqui a dizer que o senhor, depois do acidente de viação, ficou sem ver, sem falar, sem andar e sem um braço. É verdade? Ainda mexe o dedo indicador? Vá-se lá embora malandro, e ponha esse dedinho a trabalhar que há muitas coisas úteis que pode fazer com ele…

Um comentário:

vitorpt disse...

Miguel, ainda não tinha começado a escrever e já o computador me dizia para ter cuidado, que há aqui coisas que podem ser inseguras e tal, se calhar para ninguém ter a ousadia de mandar umas bocas ordinárias, mas... eu tenho de desabafar e só pergunto, onde, como e com que cunhas eu posso fazer parte de uma junta? Caramba, só se lembram de mim quando é para trabalhar...
Mas hoje li no "público" que um jovem advogado, de 38 anos, administrador de falências foi apanhado a abotoar-se com 15.000,00€ de um digníssimo comprador de uma massa falida, foi preso, mas não pode ser despedido, porque a pena prevista é inferior a 3 anos e, sendo assim, não pode ser corrido. A notícia diz que continua a fazer as mesmas tarefas. Vê lá tu que nem os gatunos podem sair, quando mais os doentes...
Um abraço!