quarta-feira, 4 de julho de 2007

A bola é quadrada


Passeava os meus filhos pelas ruas de uma localidade no norte do país em busca de alguma diversão que extrapolasse os cansativos escorregas, baloiços, cavalinhos com molas e afins. Ouvimos um ruído vindo de longe que parecia um jogo de futebol. Num campo pelado ali ao pé jogavam duas equipas de Juvenis. Ao aproximar-me do local, ia pensando que os miúdos iriam gostar de ver a rapaziada ali a divertir-se aos pontapés na chicha em alegre confraternização. Assim que chegámos, uma das equipas sofre um golo. Fo***! Car***! a culpa é tua seu filho da P***! Minha o ca***! A culpa é do ca*** do guarda-redes!...No meio daqueles pornográficos diálogos infanto-juvenis, a minha filha perguntou-me de forma ingénua: Oh pai, o que é que os meninos estão a dizer? Poderia ter mentido e dizer que aquilo era um léxico próprio do futebol; uma linguagem técnica para dizer “põe a bola no meio campo e vamos lá jogar”;…mas saiu-me a verdade: Asneiredo! O que os meninos estão a dizer é asneira, filha! Mas…estão todos a dizer a mesma coisa!? Voltava à carga. O que vou dizer à miúda? Pensei ao olhar para aquele cenário. Todos os jogadores, mas todos sem excepção estavam aos berros obscenos uns com os outros, levantando os braços e arregalando os olhos de fúria. Será que lhes tiraram a play station? Ou que lhes roubaram o álbum dos “d’zrt”? ou então que lhes partiram o telemóvel de terceira geração? Não. Apenas sofreram um golo. Continuei a ver o jogo, mesmo sabendo que estaria a sujeitar os meus rebentos a um espectáculo deprimente com possíveis consequências nefastas na sua formação. Mas estava curioso para saber no que aquilo poderia dar. A bola vai a meio campo e lá começam eles, pontapé na bola, pontapé no pelado, pontapé na canela, pontapé na gramática. O “mister” de uma das equipas coça as partes baixas ao mesmo tempo que grita: Ó Zé mexe-te fo***! Vai ao homem, vai ao homem! Cospe no chão, vira-se para os atletas no banco e desabafa “Cum Ca*** aquele gajo não joga nada!”. Entre dois berros e duas cuspidelas fuma um cigarro. Um dos seus atletas manda um empurrão no adversário o árbitro marca falta. O quê? Ó sôr árbitro,…você precisa de óculos! No meio de toda aquela asneirada, saía-lhe esporadicamente um “João, abre o jogo, olha o ponta de lança!” Esta parte do diálogo era só p’ra enganar; um cliché para dar ar que percebe alguma coisa daquela coisa. A sua equipa está a ganhar e ele diz por gestos para o guarda-redes queimar tempo. Tocam no guarda-redes ao de leve e ele cai no chão contorcendo-se de dores. O massagista entra; o mister sorri para o seu banco e levanta o polegar. O guarda-redes levanta-se combalido mas já está aos saltos e a correr. A bola vai para o banco, o mister pega-lhe vem um jogador adversário puxa-lhe a bola ele não lha dá; o jogador empurra-o e manda-lhe um pontapé. Vem o árbitro e o polícia acalmar os ânimos. O mister diz: apanho-te lá fora seu ca***ão! A minha filha continuava a insistir: ó pai, aqueles senhores são um bocado malcriados, não achas? Eu já não achava nada…estava mudo e atónito. Afinal só queria ver um jogo de juvenis com os meus filhos e estava a assistir a uma espécie de batalha campal. Para minha maior admiração, a batalha não era apenas travada dentro do campo. Um “Fo***” saiu mesmo ali ao pé de mim. Era um pai revoltado por não passarem a bola ao filho. Lancei o meu ouvido pela assistência e lá vinham mais “Ca***s” , “Ca***ões”; “se tocas no meu menino eu “fo***-te todo”; “manda uma caveirada nesse ordinário que tem a mania que joga à bola”. Eram os pais das crianças(?). As mesmas que se estariam a divertir a jogar à bola e os progenitores exprimiam o seu contentamento com pequenas asneiritas sem importância. As crianças continuavam à canelada, à cotovelada, à cabeçada…nas cabeças dos outros, e de vez em quando um pontapé na bola. Passava naquele momento um angariador de verbas para o “futebol da pequenada” dizia ele. Tinha um miúdo ao colo segurando uma caixa onde os espectadores contribuíam para que o futebol das camadas jovens se desenvolvesse. Eu não tinha dinheiro comigo, logo não contribui. Ainda bem. Se tivesse posto moedas naquele mealheiro da “formação” ainda hoje me estaria a penitenciar. Punha dinheiro na caixinha para que as crianças formassem melhor o seu vocabulário rudimentar e desenvolvessem técnicas mais eficazes de deixar os adversários no chão agarrados às canelas. No meio de todo aquele espectáculo deprimente, tive pena do pobre do árbitro e respectivos fiscais de linha que, mesmo perante o cenário deplorável e insultos repetidos, conseguiam manter uma pose de quem estaria a arbitrar a final da liga dos campeões. Mas apesar de algo chocado, deu para ficar com uma perspectiva melhor dos jogos da super-liga. Os momentos em que o jogador se dirige para o árbitro e a câmara regista em slow motion a mandíbula para cima e para baixo percebendo-se que sai algo do género “seeeeuuuu caaaraaa de caaaa*****””, tem a devida sequência do excelente trabalho que é desenvolvido nas “camadas jovens”. É um processo de coerência a longo prazo. Nos infantis aprendem a dizer fo***, para quando chegarem aos seniores conseguirem articular três palavras “fo***-te seu ca***ão”.
Termino este meu testemunho com a basilar frase do Professor António Sérgio: “O Futebol Reproduz e Amplia as Taras Sociais.”

Um comentário:

Anônimo disse...

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