quinta-feira, 19 de junho de 2008

Se até o chimpanzé percebe...


O meu carro cheira a leite podre. Quem conhece o meu natural desleixo já deve estar a pensar que me voltei a esquecer das peúgas suadas debaixo do banco ou da casca de banana no porta-luvas. Mas não. O carro tresanda mesmo a leite a puxar assim para o azedo. E é com este odor pouco agradável como fundo, que aproveito para lançar daqui a minha mais profunda homenagem a todos os ecoresistentes deste país, que andam com o carro a cheirar a leite podre e a sacudir varejas do tabliê à procura de ecopontos. Tudo começou com um chimpanzé a explicar como fazer a separação dos lixos. E a campanha publicitária dizia qualquer coisa do género: “Se até o chimpanzé percebe como se faz…”. O anúncio é bem feito; desperta a hominização que existe em cada um de nós. E esse nosso orgulho humano não poderia ficar indiferente ao ser suplantado por um símio que come bananas e amendoins. A confusão entre o balde amarelo, o verde e o azul já não existe, até porque o espectro do bicho peludo a dizer que “até ele percebe”, não me deixa espaço para confessar a minha distracção, de forma totalmente assumida. O que o chimpanzé não percebe é a trabalheira que dá a uma pessoa, despejar o lixo que conseguiu separar em casa. Sim, esta coisa de colocar a lata de Coca-cola na mão do bicho e pô-lo a deitar no balde azul (?)… ou será o amarelo (?), que está ali a dois passos, eu acho que com algum trabalho, até punha os meus cães a fazer. Eu gostaria era de ver o chimpanzé, com o saco cheio de pacotes de leite amassados às costas, conseguir descobrir um ecoponto e depois, ter o engenho para despejar os resíduos lá dentro de forma célere. A campanha começou bem com o chimpanzé a explicar como se faz, mas qualquer esforço de mudança de maus hábitos enraizados, deverá assentar na filosofia da facilitação. Metem-se os sacos na bagageira do carro e vamos à procura dos ecopontos. Quando por fim, lá os encontramos, deparamo-nos logo com esse fabuloso factor facilitador: A abertura. A história do elefante passar pelo buraco da agulha, ensombra o nosso esforço, sempre que queremos empurrar os nossos volumosos pacotes de leite compactados, por aquele orifício…zinho. Aliás o nome “Plasticão” rima na perfeição com o asneiredo que sai da nossa boca, quando estamos a fazer força no fundo do saco para aquilo entrar lá dentro e. verificarmos por fim, que a coisa não entra. Ao retirar alguns pacotes para estreitar o volume, aquele pedaço de leite coalhado espirra em direcção da nossa roupa lavada. Fazemos mais umas rimas e, ao fim de algum tempo, conseguimos empurrar, com a ajuda de todo o nosso peso, os plásticos lá para dentro. Depois das embalagens, vamos buscar o papel para despejar no “papelão”. A luta “orifício pequeno/ volume grande” continua animada. Temos um molho de papéis na mão, vem uma rabanada de vento e vemos os estratos bancários voar na direcção do quintal do lado. Sai outra rima brejeira em honra ao orifício do papelão e vamos apanhar o saldo bancário ao espinho de uma roseira. Por fim, conseguimos apanhar todos os papéis e metê-los no orifício. Coragem, que já só falta o vidro. O Vidrão tem o buraco mais pequeno de todos. Assim à primeira vista parece passar à vontade uma mini de cada vez. É curioso porque o nome “vidrão” (assim como os seus primos anteriores) indicia uma coisa em grande, com uma abertura em grande, para se poder despachar coisas em grande e depois, selecciona criteriosamente todos os invólucros, qual posto fronteiriço entre Israel e a Palestina. Estamos nós a espetar garrafa a garrafa lá para dentro e, ao nosso lado, bem ao nosso lado, está um caixote de lixo vulgar, com uma abertura enorme e vulgar, a chamar por nós. É um teste à nossa consciência; o Lúcifer apontando o caminho da perdição. Não basta dificultar a tarefa, como nos espetam com a opção mais apetecível a acenar bem ali à mão. É como querem impingir-nos um prato de comida macrobiótica, com o odor da feijoada ali encostado ao nosso nariz.
O meu carro continua a cheirar a leite podre. Esqueci-me de despejar à ida para o trabalho e não tive tempo para despejar à vinda. Quase a chegar a casa, tenho outro caixote de lixo grande e lustroso a chamar pelo meu leite coalhado: Aqui! Podes deixar esse cheiro a azedo aqui! É só abrires a tampa e já está! Do que estás à espera? Não sei bem…talvez iludido à espera do dia em que se lembrem de me facilitar a vida. Parece que até o chimpanzé percebe.

2 comentários:

vitorpt disse...

E as garrafas de vinho a mandarem umas gotas prá camisa? já tomei providências e agora vou sempre levar o lixo seleccionado em tronco nú... até me lembra o anúncio das 4 e meia da tarde, da coca-cola... tás a ver, não?
Vá lá, continua a separar que ainda vais receber uma comenda no 10 de Junho.

Anônimo disse...

necessario verificar:)