domingo, 28 de setembro de 2008

O Pombo


Um pombo cagou-me no ombro. Eu sei que é uma forma um pouco rude para começar uma crónica, mas na verdade estou a ser delicado, atendendo à reacção que tive quando ouvi o som parecido com o lançamento de um ovo espalmado em cima da minha camisola nova. Poderia romancear a coisa, com uma descrição do género “o voo de uma bela pomba sobre os beirados, em perfeita harmonia com a natureza…”, desculpem mas não consigo pensar em harmonia, depois de ver o meu algodão conspurcado com uma cagadela esverdeada. Olhei para cima, para poder insultar olhos nos olhos a ave, mas já tinha dado à asa; um caso claro de defecação e fuga. Depois de limpar os resquícios da digestão do pombo, comecei a desculpabilizá-lo. Achei logo que seria um borracho em plena actividade lúdica. Penso mesmo que, se eu próprio fosse pombo, me divertiria a bombardear as carecas daqueles seres que não me davam nem uma migalhita. No fundo, uma versão columbófila da traquinice humana do toque às campainhas e fuga. E nós também temos uma arma fantástica para atenuar a nossa revolta. Depois de limpar o dejecto, a minha irmã lançou-me o desafio: “Olha que isso pode ser sinal de sorte! Vamos mas é fazer o euromilhões!”. E lá fomos todos contentes com a certeza de que a cagada nos iria presentear com um generoso reforço da conta bancária. As superstições operam maravilhas; conseguem transformar trampa em esperança. Um tipo entorna vinho na mesa e põe-se logo a tocar com dedo molhado atrás da orelha porque dá sorte…?..., até pode ser, mas têm que explicar com jeitinho à pessoa que vai limpar a nódoa da toalha. Se um indivíduo apanhar com uma ferradura na cabeça, além do hematoma, é sinal de muita sorte, porque poderia partir a cabeça(?)…e só fez um galo. Este atenuar da desgraça com a benfeitoria dá algum jeito. Como a história de que muita cera nos ouvidos é sinal de riqueza,…hã?...diga?…não o estou a ouvir! De facto, com tanta barbaridade que a malta vai ouvindo, só com cera a obstruir a audição, se terá a sorte de ficar na ignorância. O que me custa mais a perceber são as superstições do azar. Aquela do gato preto que se atravessa no caminho, é um claro sinal de discriminação pelo tom do pêlo. A curpa é sempre dos preto pá? De facto, já um pobre de um gato preto, não pode procurar gatas com o cio, que está sempre a receber insultos racistas. E o azar que se tem quando se mata uma aranha em casa? No meu caso, o azar que dá matar aranhas em casa, é sempre compensado com o facto de não ter de tropeçar nas suas teias por todo o lado. Olha ainda agora fiquei com mais um bocadinho de azar, aqui agarrado à meia do pé esquerdo. A superstição de que dinheiro em cima da mesa dá azar, só poderá vir de uma mente etérea, que pensa sempre no lado da espiritualidade para explicar a matéria. Imagina que os alimentos nos caem do céu, trazidos por cegonhas do Quénia e os livros da escola dos miúdos são oferecidos pelo filantropo editor. Ter dinheiro em cima da mesa, é bom sinal: é sinal que se tem dinheiro e mesa.
Bom, mas tudo isto começou com a cagadela do pombo no meu ombro. Andei toda a semana a dizer bem do pombo, que me iria permitir ajudar um monte de malta com a massa do euromilhões e, no dia do sorteio,…nem uma cruzinha,…nem uma estrelinha. Raio do pombo! Apetecia-me subir ao beirado e defecar-lhe em cima da penugem nova, que é para ele ver como é bom p’rá tosse. Epá não podes ser assim tão rancoroso com o pombo, coitado do bicho! A minha indignação, nem é tanto com o pombo, é mais com a superstição associada à cagadela do pombo. Eu até já tinha limpo os dejectos e tudo. O mal foi acreditar que a bosta traz sorte. A minha sorte foi perceber que também existem contradições nas superstições. De uma leitura mais apurada das várias crenças populares, surge aquela que me deixa um pouco mais aliviado mas também baralhado: “Criar Pombos dá azar”. Ora aí está, alguém inteligente. Mas, se criar pombos dá azar, como é que uma cagada de pombo dá sorte? Esta superstição anti-columbófila só pode ter sido criada por alguém que como eu, viu a sua camisola nova conspurcada pelo bomba viscosa mandada lá de cima do beirado. Pelo contrário, a superstição pró-laxante, foi decerto criada pelos próprios pombos, como protesto contra o tipo que não dá migalhinhas e que deve ser o mesmo da camisola conspurcada. Estava eu aqui no jogo supersticioso do gato e do rato, quando percebi que ambas as superstições não têm grande relevância. Na verdade o pombo é um excelente animal; até consegue encontrar o caminho de casa quando o abandonam a milhares de quilómetros. Teria sim relevância se alguém se lembrasse de, inspirado nestas duas superstições aparentemente antagónicas, criar uma em que todos acreditássemos: “Se um dos nossos governantes se atravessar à tua frente é sinal de que irás ter azar nos próximos anos”. É que, à semelhança dos pombos nos beirados, não haverá ser que consiga defecar com tanta perfeição na cabeça dos seus cidadãos.

Um comentário:

vitorpt disse...

melhor superstição é aquela "se fugir o Sócrates pega, se ficar o Sócrates come". Adaptada do Ney Matogrosso, tens de te conformar Miguel, a merda continuará a atormentar-nos até ao fim, independentemente de ser de pombo ou de governo.