terça-feira, 6 de abril de 2010

Abróteas

Sinto que chegou a altura de revelar a minha verdadeira identidade. Estou farto de me esconder pelos cantos. Hoje venho aqui assumir que sou…Funcionário Público. Pronto já disse. Andei anos a encontrar subterfúgios para que não descobrissem essa minha fraqueza, mas não aguentava mais. Quando me perguntam a minha profissão e eu digo “professor”, temo sempre pela pergunta seguinte: no público ou no privado? Na maioria dos casos tenho de simular uma enxaqueca, uma panela esquecida ao lume ou aceno com a história dos filhos que me esperam à porta da escola. Eu sei que não é correcto, mas tudo serve para não ouvir o contundente reparo: “Funcionário Público, Ããã? Granda malandro!”. É verdade, eu pertenço a essa repugnante classe que suga toda a massa dos contribuintes e não deixa o país desenvolver-se. Todos os pais aspiram melhor para os seus filhos. Pagam-lhes os intermináveis anos de estudos e depois é isto que recebem em troca? O desgosto de um filho descambar em funcionário público é algo que não está nos planos de qualquer pai com o mínimo de bom senso. Ainda se fossem funcionários públicos com algum brio profissional, como aquela deputada das viagens semanais a Paris em voo executivo; ou o tipo da EDP dos 3 milhões de euros ao ano; ou um presidente daqueles que recebe duas reformas e mais um vencimento. Eu incluo a pior estirpe dos funcionários públicos, aquela que se desenvolve debaixo do bolor da mediania. Pertenço à tão odiada classe média portuguesa. Tenho um ordenado médio, um carro médio, uma prestação de casa média, uma televisão média, umas sapatilhas de gama média e descontam-me em impostos quase a mediania do meu ordenado. Com sorte irei alcançar a reforma aos 70 anos, quando tiver atingido a mediania da carreira, isto porque a outra metade foi congelada ao longo da hipotética progressão. Aliás depois de 6 anos congelado, qualquer funcionário público já desenvolveu destrezas que lhe permitem sobreviver nas profundezas de um qualquer oceano ou nas arcas frigoríficas de um bacalhoeiro. E é assim, qual “Abrótea” congelada, que um dia receberei na reforma, a mediania do vencimento ou… talvez a mediania da mediania. Mas é bem feito, para não me ter armado em asno. Mais valia ter investido na angariação de um subsídio de reinserção social, ou à falta de melhor, ter comprado uma bandeirinha de um partido político. Mas não. Tinha de descambar em Funcionário Público. Antigamente era insultuoso alguém gritar para o outro “Não sejas cigano!”. Hoje em dia um Cigano é um tipo que singrou na vida, um modelo a seguir. É aquele que sabe todos os passos para sacar o subsídio de Reinserção Social e de vez em quando ainda dá uma perninha a vender camisolas Saccor falsificadas na feira. É nesses empreendedores que nós, os parasitas públicos, deveríamos colocar os olhos. Nos que têm a habilidade de ludibriar os impostos como Cristiano Ronaldo dribla adversários. Um funcionário público mediano nem esperteza tem para se safar ao imposto de televisão. Agora, para se achincalhar alguém a sério, é dizer “Oh meu g’anda Funcionário Público!”. Ser hoje funcionário público é pior do que se ser proxeneta, drogado ou cronista social. Transpira a imagem de um protagonista de violência doméstica, que, em vez de dar umas chapadas na mulher, espanca o frágil equilíbrio das contas públicas. Equilíbrio que até aqui se tinha mantido firme mesmo com os milhões roubados no BCP, os milhões torrados nos submarinos, os milhões enterrados nos estádios, os milhões esfumados em contrapartidas não reivindicadas, os milhões imaginados para o TGV ou lá o que é isso, os milhões que esvoaçaram nos “Magalhães” que os subsidiados receberam à borla e venderam aos amigos, os milhões gastos em campanhas eleitorais, os milhões escondidos em comissões de inquérito e fundações várias. Este país só sobreviverá quando conseguir exterminar essa corja social chamada funcionalismo público da gama média. Funcionários públicos só de gama alta ou de gama subsidiada. Depois é privatizar tudo o que mexa e, nós os ex-funcionários públicos medianos, não passaremos mais pelo constrangimento daquele olhar de reprovação sempre que assumirmos a nossa envergonhada opção. Os privados, esses, conseguirão com facilidade produzir fundos suficientes para pagar viagens dos altos funcionários públicos a Paris em voo executivo e os irrisórios milhões necessários para manter algumas economias familiares em desenvolvimento.

3 comentários:

Kuat disse...

Parabéns Miguel.Divinal.

Miguel Sentieiro disse...

Adília, o pior é que as abróteas não sobrevivem fora de água. A esperança é que o próximo governo consiga meter tanta água como este...

Kuat disse...

A avaliar pela percurso, não será dificil :)