sábado, 3 de abril de 2010

Aquele Sorriso...

Existem coisas que nos deixam tristes. E assim ando desde que me disseram que o filho da Paula teve um daqueles ataques fulminantes que aparecem sem avisar e varrem a vida com a violência de um tufão. A notícia deixou-me triste porque este tufão escolheu um miúdo como alvo; mas deixou-me mais triste por ser o filho da Paula. E o filho da Paula poderia ser o filho de qualquer um de nós. É nisto que pensamos quando não sabemos o que dizer a uma mãe que acaba de perder um filho. Que imaginamos a dor de vê-lo partir? Apenas poderemos imaginar que deverá ter uma intensidade similar à soma de todos os momentos que o acompanhámos na construção da sua vida. Do dia da primeira palavra até ao exame de Português; do dia do primeiro passo até à corrida em direcção ao cesto; da sopa vomitada no babete até ao hambúrguer no Mac; do primeiro chapinhar na água piscina até ao mergulho de cabeça da prancha; do abraço desinibido na infância, ao embaraço pelo carinho materno na adolescência. Não estamos preparados para deixar este ciclo de desenvolvimento a meio. Depois da adolescência deveria surgir a idade adulta, para acompanharmos o crescimento dos netos, e dizer mal das noras. Não seria suposto a morte aparecer tão cedo, mas ela aparece. Apareceu com o filho da Paula como aparece com milhares de filhos de milhares de mães por esse mundo fora, todos os dias. E nenhuma mãe está preparada para este tufão. Não estamos preparados para que a única coisa certa que a vida tem, se meta logo com algo que cresceu das nossas entranhas. Socorremo-nos da lógica para iludirmos receios. Na probabilidade de ser o filho a assistir à morte do pai e não o contrário. Esta é uma ordem natural que muitas vezes não acontece. E ao não acontecer com alguém que nos é próximo, faz-nos pensar na volatilidade desta pequena passagem por aqui. Uma passagem muitas vezes inebriada por conflitos, invejas, discussões, disputas que se esfumam num breve sopro. Não conhecia o filho da Paula; Conheço apenas a Paula. Só agora fiquei a saber que o seu nome é João. Parece que o João conseguiu construir ao longo da sua vida muitas amizades. E, se construiu muitas amizades, é sinal que aplicou bem o seu tempo de vida. Que brincou, que estudou, que se embeiçou por uma cachopa, que se divertiu a fazer desporto, que gozou a vida como muitos de nós nos esquecemos inúmeras vezes de gozar. Hoje vi no jornal a fotografia do filho da Paula. Vi um miúdo de sorriso aberto e espontâneo, abraçado aos seus companheiros de equipa. E aquele sorriso traquinas fez-me lembrar o nosso sorriso quando invadíamos as casas uns dos outros em busca das doçarias manufacturadas pelas mães; o sorriso das jogatanas de futebol até ao anoitecer; o sorriso da ameixa que se tirou da árvore do vizinho; o sorriso do jogos de berlinde; o sorriso das conquistas, o sorriso da exterminação do pacote de batatas fritas partilhado entre nós, o sorriso de quem não se importa com o dia de amanhã. Lembras-te desse sorriso, Paula? Chegará o dia em que conseguirás largar a mão do miúdo e deixá-lo ir libertar esse sorriso para junto de uma outra equipa de basquetebol que o espera lá em cima.
Um sorriso para a Paula e para a D. Odete, duas lutadoras, que irão encontrar forças para superar mais este desafio que a vida lhes propôs...

Nenhum comentário: