terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Bandido "Estrela "


Deu-se finalmente a viragem que todos ansiávamos na dinâmica da criminalidade. Até aqui, alguns de nós tinham alguma dificuldade em aceitar a impunidade dos actos criminosos. Tínhamos a exótica ideia de que se um tipo rouba, incendeia, espanca ou mata, deveria ir para a choldra. Nada mais errado. Começam a circular histórias comovedoras da outra faceta da bandidagem que nos faz mudar de opinião. O enternecedor relato do menino que com os primos pegou fogo a uma mata só para ver os helicópteros da televisão a chegar. A avó da criança dizia que “são crianças inocentes que devemos perdoar e ensinar melhor…”. E lá estava a fotografia do miúdo num jornal diário, exibindo o isqueiro com que mandou fogo aos pinheiros, como se posasse para uma revista da especialidade “Fogos nas Coutadas”. O cachopo não estava era à espera que, com os bombeiros e os helicópteros de televisão, também viriam os repórteres do jornal à sua procura. Ao invés de uns dias de trabalho comunitário, viria um dia de intensa entrevista para que contasse a todos a sua habilidade de mandar fogo aos hectares de pinhal. Eis que aparece novamente o “emplastro” destes cenários, o Psicólogo criminal a defender que “melhor do que reprimir há que educar”. E viva a educação sem repressão! Vamos ouvir mais um bocadinho o psicólogo… “há que educar para a cidadania…explicar que um simples fósforo pode destruir casa e florestas…” algo que uma criança de 11 anos desconhecia de todo; consta-se mesmo que confundiu o fósforo com um violino e que se preparava para produzir uma melodia musical. Não podes mandar fogo ao pinhal, menino. Tens de saber que não é uma atitude correcta… “E atão com’é ca gente chama cá os helicótros???”. A fotografia no jornal é que já ninguém lha tira, até porque representa um registo fidedigno da sua heróica acção que pode mostrar orgulhosamente aos amigos ou colar na parede do quarto junto ao poster do Simão Sabrosa.
Num outro jornal diário, a descrição das aventuras dos carteiristas de Lisboa. Estão identificados 1010 gatunos, que todos os dias ganham a vida a meter as mãos nos bolsos dos turistas. Os heróis têm nomes sugestivos como “Zé do Porto”, “Aníbal dos transportes”, “Cara de Cão” ou “Treinador”. Quase todos já foram apanhados com a mão na botija, mas são sempre soltos porque não conseguem gamar mais do que cem euros de cada vez. Os turistas estão cada vez mais unhas de fome… O conhecido “Zé do Porto” rouba com o filho, a mulher, o primo e o neto(?). Uma empresa familiar de Carteirismo, Lda. Nos 20 anos de “profissão” e, depois de inúmeras detenções, só teve prisão efectiva uma única vez. Depois de ler o relato da vida destes simpáticos carteiristas, com particular ênfase para “O Barrigas” um velhinho de 70 anos que reparte a sua actividade entre o gamanço da carteira alheia e o furto em lojas de Lisboa, sinto que a minha revolta anti-impunidade está a sofrer transformações. A partir de agora podemos dar azo à sensação “Ocean’s Eleven” que temos dentro de nós. A ideia de que uma quadrilha que rouba bancos e casinos pode ser admirada se a história for contada com algum nível e embelezada com actores como Brad Pitt, Julia Roberts ou George Clooney. Tudo depende da forma como a história é contada. Só é necessário transformar o acontecimento numa história. O acontecimento: “Um idoso tem o dinheiro da reforma na carteira que é roubada por um gatuno na fila do autocarro”. A história do acontecimento é contada: “A habilidade de “Johnny das carteiras” conseguiu subtrair de forma imperceptível todo o dinheiro que um palerma tinha no bolso detrás das calças. Depois desta imaculada abordagem, Johnny consegue embrenhar-se na multidão e fugir como uma astuta raposa.”. São as virtudes do desenvolvimento: Passou-se da imagem do criminoso malandro para a do habilidoso malandro. Aproveitando este embelezamento mediático da bandidagem, já está a ser planeada a rodagem da produção cinematográfica caseira “Porto’s Eleven” que retrata as agruras emocionantes da família “ Zé do Porto”, vividas entre o eléctrico 28, o elevador da Glória e o Rossio. Ainda não conseguiram arranjar todos os protagonistas para completar o elenco de onze bandidos, no entanto, no caso dos sobrinhos do Zé se mostrarem indisponíveis, sempre têm mais 1005 candidatos em lista de espera.

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