sábado, 27 de novembro de 2010

A minha experiência no cilindro nuclear


Tive de fazer uma ressonância magnética. Talvez existisse coisa mais interessante de partilhar com os leitores do que a minha ressonância magnética, mas apeteceu-me. Era isso ou dizer mal da situação financeira do país. Também poderia falar do esfregão amarelo e verde com que lavo a loiça, mas a relevância da ressonância pareceu-me mais adequada. O que se trata é de partilhar a minha primeira experiência dentro daquela máquina utilizada frequentemente por jogadores de futebol de renome sempre que levam uma canelada mais forte na tíbia. Lá arranjei uma mazela, daquelas difíceis de descobrir, mesmo para ter direito a dizer, que tal como o Cristiano Ronaldo, também eu tinha feito uma ressonância magnética. É o óbvio enriquecimento do currículo ortopédico de um tipo. Temos de admitir que o nome é espalhafatoso; impressiona quando se ouve. Tem muito mais impacto do que dizer “Olha fui ali fazer um Raio X!”. Raio X toda a malta faz. Até lembra a visão apurada do Super-Homem. Agora, a tal da ressonância, ainda por cima magnética e nuclear, isso é só para alguns. Parece que aquilo é caro como raio (não o X) , o estado comparticipa um balúrdio, e os médicos, com medo que o estado lhes dê tau-tau, só passam a receita quando nos mandamos para o chão a chorar ou padecemos de convulsões com perda de consciência. Lá fui eu orgulhoso com o ingresso na mão que me dava direito a entrar na magnética experiência. O senhor recebeu-me com a delicadeza duma hospedeira aérea mediante um passageiro da classe executiva. Vê-se logo que isto é outra coisa! Pensei . Só faltam as gambas e os canapés. Isto não é só meia bola e força. Não basta dizer “Encha o peito de ar! agora não respire! E já está”. Na ressonância magnética existem procedimentos a explicar com mais calma. Como se colocar dentro daquele cilindro; quanto tempo demora; até nos dão uma campainha para tocarmos no caso de nos dar uma enorme vontade fisiológica, de pretendermos uma massagem oriental ou de sermos assaltados por um ataque de pânico…qual pânico? Quando o senhor me falou no ataque de pânico eu fiquei de pé atrás, ou seja, com um ataque de pré-pânico. Não percebi como se pode ter pânico nesta executiva experiência. Quando a cama amovível me levou as narinas para dentro do cilindro apertado, aí comecei a perceber. É que o espaço entre o meu proeminente nariz e o plástico nuclear era quase tão próximo como uma chave no buraco da fechadura. “O senhor vai manter os braços por cima da barriga e não se pode mexer durante o exame.” Mesmo que eu quisesse mexer não haveria grande espaço. O exame começa e lá estou eu apertadinho e quietinho a pensar nos filmes de Stephen King(?)… Naquela posição inerte e compactada com os bracinhos cruzados sobre a barriga, só me vinha à cabeça a experiência de um indivíduo enterrado vivo numa urna…nuclear. Mas a experiência fabulosa não ficava por aqui. Começou o ruído; o raio do ruído que me estremecia os tímpanos. Junta-se assim a sensação da urna debaixo da terra, com a terra de betoneiras industriais por cima da cabeça. “Pode fechar os olhos se quiser” dizia-me o atencioso técnico. Querer eu até queria, mas é impossível um tipo dormir com obras no andar de cima. Continuei a aguentar firme sem querer pensar muito na comichão que me poderia dar na ponta do nariz. Parece que a comichão queria aparecer nos meus pensamentos. Não te podes coçar, nem tão pouco levantar a cabeça. Espera que só faltam mais 20 minutos…. A voz do senhor tentava amenizar a comichão que eu não podia ter, mas que só pensava em ter: “Já falta pouco; já cumprimos a primeira parte do exame!” . Mas, mas,…o exame é composto por quantas partes? Tentei entreter-me com outros pensamentos e só me vinha à cabeça a situação financeira do país, sobre a qual não tinha nenhuma vontade de pensar. “Pensa antes na comichão do nariz!”. Mas era tarde demais; já tinha feito o paralelismo daquela sensação de compactação sem poder mexer a pestana nem conseguir dar um murro em ninguém, com a nossa experiência económica. Está um tipo a suar na urna, com o nariz encostado na madeira, acalentando a esperança que nos venham desenterrar e mandam-nos com a chinfrineira da 3ª ponte sobre o Tejo, do novo aeroporto, do FMI. Socooooorro! Tirem-me daqui! cocem-me o nariz! “Já falta pouco!” Isso também dizia o outro tipo, que depois de nos enterrar, já faltava pouco para sairmos dali…;…até já haviam sinais de crescimento económico, de diminuição do desemprego, de que não precisamos da ajuda de alguém competente….
A ressonância finalmente terminou e com ela acabou a coceira na ponta do nariz. “Vê que não custou nada!” dizia o técnico com o seu sorriso. Pus-me a andar dali, à velocidade de quem escapa com vida a uma experiência aterradora.
De futuro, não escreverei mais crónicas com a relevância desta sobre a minha experiência dentro de uma máquina de ressonância magnética. Da próxima, abordarei a importância da acção do esfregão amarelo e verde na erradicação das nódoas de gordura mais entranhadas no pirex. É que há nódoas mesmo difíceis de limpar…

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