terça-feira, 10 de setembro de 2013

No país do Ao Menos

Estava a tomar a bica matinal e a minha orelha esquerda foi ao encontro da conversa dos dois tipos que mandavam abaixo duas bejecas também elas matinais. Dizia um para o outro: “Epá o meu primo Manecas, já está desempregado há mais de um ano e não arranja nada!”. Depois de limpar a espuma da cerveja dos pêlos do bigode, o amigo responde: “Eu ao menos ainda tenho o meu empregozito, que me paga 400 euros ao mês… Espero não ter o azar de ser despedido.” Aqui está o “Ao menos” metido no meio da frase e que traduz esse sentimento de relativização bem português. Roubaram-te a carteira e o telemóvel à saída do eléctrico? Ao menos deixaram-me a roupa e o boné; Foste espancada pelo teu marido bêbado depois da derrota do Benfas? Ao menos só me partiu 5 dentes e o maxilar inferior; O presidente da Câmara não paga 100 milhões de euros aos fornecedores? Ao menos fez umas avenidas e umas rotundas espectaculares. A ministra das Finanças esteve envolvida no negócio das Swaps que lesou o país em grande? Ao menos veste uns blasers beges muito elegantes. A justiça não mete na cadeia os tipos do BPN? Ao menos a malta sabe quem eles são. Os incêndios continuam a queimar a nossa floresta todos os anos? Ao menos ainda nos restam os relvados dos jardins públicos. O dono do restaurante ganha 50 cêntimos por cada refeição económica que vende? Ao menos ganha 50 cêntimos por cada refeição. Trabalhas 10 horas por dia a 400 euros mensais? Ao menos não estás desempregado. E voltámos ao início da conversa. A conversa do “Ao menos” tenho um emprego, com tudo o que de subversivo transporta. Parece que os ordenados baixam porque existe muito desemprego e as pessoas em desespero sujeitam-se ao “Ao menos” que vier. A coisa funciona assim: um patrão comunica ao empregado com 20 anos de casa que vai ter de lhe baixar o ordenado para metade se quer continuar a trabalhar ali. O empregado incrédulo pergunta “Mas existem menos encomendas? …existe prejuízo?” o patrão responde eloquente “tenho 100 jovens desempregados que se ofereceram para a tua função e a ganhar metade”. E continua “São as leis da liberalização do mercado, os custos de produção diminuem, competimos com a China e o meu lucro será maior! Tens de pensar que reduzes o salário, mas ao menos continuas connosco!...”. Neste “Ao menos” surge o que de pior tem a condição humana: A exploração voluntária das debilidades alheias. Vendem-se garrafas de água a 20 euros o litro para quem vive no deserto; Vendem-se medicamentos a 100 euros a caixa para quem tem dores reumáticas crónicas. Vendem-se cadeiras de rodas a preços de automóveis, a quem fica paraplégico; Vende-se a casa por 1/10 do seu valor, para se poder comprar comida para casa. Trabalha 10 horas por dia a 400 euros mensais, porque precisa de um emprego para sobreviver. Voltámos de novo ao nosso “Ao menos” tenho este emprego. E o “Ao menos” tem hoje um aliado de peso, a “Troika”. “Ó António, eu até te queria pagar mais, mas sabes…a Troika está a dar cabo disto; ao menos sempre ganhas qualquer coisita…”. Ou seja a “Troika” funciona aqui como a grande responsável do “ao menos”. Gostaria de trocar, sem ter de emigrar, este país do “Ao menos” , por um país do “Eu quero mais”. Eu quero mais competência na gestão do país; Eu quero mais tempo livre para estar com os meus filhos; Eu quero mais patrões que percebam os benefícios de terem funcionários satisfeitos; Eu quero mais políticos independentes de interesses ocultos; Eu quero mais pudor e responsabilidade; Eu quero mais ordenados que possibilitem viver com dignidade. Mas é a tal liberalização dos mercados… E com a liberalização económica chegou a liberalização moral, onde tudo é aceitável, desde que o lucro financeiro esteja garantido. Tento fugir da sina da resignação implícita ao “ao menos”. Para começar a minha terapêutica do “eu quero mais” decidi que não voto mais em partidos políticos. “Epá, mas não percebes que há algumas pessoas boas dentro dos partidos políticos e que eles é que têm de nos governar!” . É verdade sim senhor, mas ao menos eles ficarão a saber que eu quero mais…

Um comentário:

Nuno Sentieiro Marques disse...

Continua a escrever, ao menos vamos lendo coisas sérias e desagradaveis de forma divertida e bem escrita :-)
Abraço