domingo, 9 de setembro de 2007

Flexi...deslizando


“Boa pai! Mequedonal! Mequedonal! Mequedonal! Um pai que leva os seus rebentos ao Mcdonalds, sabe que a comida é o que menos interessa, senão eles teriam essa expressão de júbilo, sempre que lhes dissesse que iríamos comer uns grelhados à tasca do Isaías. Eles anseiam sobretudo por colocar a mão dentro do pacote do Happy Meal em busca do brinquedo em forma de andróide ou princesa, aquele que adoram quando o vêem, e no dia seguinte já está na boca do cão. Passam assim a curta refeição a tentar perceber como funciona o andróide em forma de bicho, acabando sempre com a dúvida “Ó pai vê aí nas instruções se o dragão manda fogo pela boca ou pelo rabo!?”. Desta vez fui verdadeiramente destemido e levei-os em plena hora e dia de ponta. Comemos lá fora, facto que acelerou ainda mais o processo de fast-aspiração alimentar, uma vez que o parque infantil, estava ali demasiado próximo e apelativo. Deixámo-los ir e ficámos a observar o pandemónio. Naquele reduzido parque labiríntico, estariam uns 30 cachopos (se eram 15 pareciam 30) a correr desalmadamente para cima e para baixo, como se os carros inamovíveis se preparassem para arrancar a toda a velocidade e os deixassem apeados. Dentro do parque, lá no primeiro andar, ouvia-se um grito de miúdo vindo da escuridão tentando afugentar os que conseguiam subir as escadas. Aqueles que superavam o medo, lá mandavam um encontrão na fera e passavam para etapa seguinte, a dos carros suspensos. Dentro de um dos carros vislumbrava-se uma criança grande, talvez grande demais para alguém a tirar de lá à força. Uma rapariga pede para o mastodonte desocupar o lugar e ele lá desocupa contrariado. Desce com toda a sua massa corporal pelo escorrega e atropela um miúdo que se preparava para subir. Uma outra criança cai das escadas cá em baixo. Parece que o tipo dos gritos de monstro não gostou que o tivessem empurrado e empurrou o mais pequeno, quando este estava quase lá em cima.
Dizia-me o meu amigo João que também estava ali com os filhos “Já viste que com a idade destes miúdos, nós brincávamos nos olivais, e eles agora estão enclausurados aqui nesta caixa de plástico todos divertidos?”. Ao ouvir aquelas palavras e ao ver aquele enxame desorientado de cachopos, descobri as grandes virtudes que um espaço daqueles poderá encerrar em termos de formação das novas gerações. De facto, a sociedade portuguesa caminha para um sistema destes; um sistema fechado de exíguos labirintos, carrinhos minorcas e descidas de escorregas que terminam junto de novas e sinuosas subidas. A caixa labiríntica cheia de concorrência, representa a escola ideal como preparação para o panorama competitivo nacional. O panorama dos milhares de jovens em busca do estreito caminho para os poucos empregos, num mundo do salve-se quem puder, se necessário por cima do tipo que manda berros. É também disso que trata a flexisegurança, aquela invenção da malta ter 50 empregos ao longo da vida e dos patrões poderem despedir os empregados se embirrarem com a cor da camisa ou com os pêlos do nariz.
Cá em baixo estavam os outros 25 a jogar à apanhada, mas nenhum percebia quem é que apanhava quem. Tocavam uns nos outros, sem ordem ou coerência e fugiam uns dos outros,…sem ordem e coerência. Corriam era muito. Todos corriam, para todos os lados e o tipo de lá de cima continuava aos berros. No meio das perseguições viam-se uns quantos encontrões e tropeções. Os que se punham mais rápido em pé, subiam mais rápido pelas escadas e enfrentavam de forma mais consistente a besta dos berros. Como lá em cima só haverá lugar para 4, aquele que acaba de entrar, tem de arranjar estratégia de pôr um dos 4 a escorregar. Ou manda um berro maior do que o afugentador acompanhado por um estalo, ou consegue com falinhas mansas convencer o matulão a desocupar a cadeira do veículo, ou se desenvencilha de qualquer forma dos outros 2, que se encontram escondidos nos recônditos do labirinto. Caso não consiga pôr nenhum dos outros a andar, cabe-lhe o caminho do escorrega, ou seja, o da própria flexi-segurança.
Esta é a verdadeira escola. A escola do desenrasca; do mais espertalhuco; do matulão; do tipo dos berros, do que toca antes nos outros, do que manda melhores encontrões. De forma sábia, o sistema de ensino caminha no sentido desta aglomeração. Despacham-se os professores e fazem-se turmas de 35 alunos, para eles começarem a perceber a densidade humana que encontrarão na disputa do primeiro emprego e…seguintes. Abrem-se mais cursos, para que aumentem os indivíduos que jogam à apanhada cá em baixo e os poucos que conseguem lá chegar acima, ao pé do tipo dos berros, têm de ser mesmo os mais fortes, os mais rápidos e os mais desenrascados. Os outros, irão continuar a jogar todos contentinhos à apanhada , esperando que haja uma alma caridosa que cale de uma vez por todas o tipo dos berros, que já ninguém o pode ouvir…

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro Miguel,
é verdade que os miúdos são assim mesmo, mas não são de geração expontânea... acho que tudo isso é fruto do enquadramento, mas essa relação do parque infantil com o futuro parque de diversões que eles irão encontrar, está muito bem esgalhada.
Parabéns!