domingo, 11 de novembro de 2007

Dia dos bolinhos

Decidi retomar com os meus filhos a tradição do dia dos Bolinhos. Lembro-me do gozo que me dava sair com a minha irmã a tocar nas campainhas da vizinhança, esperando que alguém nos abrisse a porta para podermos gritar: “Boliiiinhos!”. Depois da uma extenuante manhã, sentávamo-nos na cozinha e espalhávamos em dois tabuleiros distintos o fruto da nossa recolha. Comparávamos rebuçados, broas, nozes, chupas e bolachas Maria que nos davam os mais forretas, para depois metermos o dente na massa e apanhar uma barrigada daquelas.
Quando no dia anterior, preparava os miúdos para esse dia, eles começaram logo por perguntar: “Mas porque é que no Halloween nós vamos pedir bolinhos?” Expliquei “Filhos, o Halloween não tem nada a ver com os bolinhos,…” fui interrompido… “Posso levar o fato de vampiro?”…prossegui “Mas os bolinhos são uma tradição nossa e…” fui novamente interrompido “eu cá vou de bruxa e com uma vassoura para bater nas portas!”… “Filhos, sabem que essas tradições não são…” mais um assalto “Eu vou levar a abóbora metida na cabeça e pregar um cagaço quando nos abrirem a porta!”…. perdi a pachorra “Chega! Não há Halloween! Halloween é na América ! Bolinhos em Portugal!...Perceberam!”. Senti nas suas caras um enorme desapontamento. Com uma voz trémula questionaram: “Então e as máscaras? os disfarces que vendem no Modelo? Os dentes de vampiro? Os sustos? As cobras e as aranhas?” . Percebi, que prescindiriam de bom grado dos bolinhos, se pudessem vestir capas negras e pregar sustos às pessoas. “O Halloween é mais uma invenção para os pais gastarem dinheiro!” Desabafei. Ao menos podiam arranjar um nome que a malta percebesse. Voltei à carga “Amanhã vamos tocar às campainhas e cada um leva um saco de pano para guardar as guloseimas que nos vão dar”. A ideia das guloseimas lá acalmou um pouco a frustração de não haver Halloween e consegui contar a minha experiência infantil sem ser muito interrompido.
No dia seguinte, lá fomos de porta em porta em busca dos bolinhos. Depois de instruir os miúdos da forma cantada como teriam de entoar “boliiiinhos” ,fomos à luta. A primeira casa foi logo a da avó, para criar uma primeira experiência positiva. Os avós são sempre generosos e vá de receber uma oferta de relevo para começar bem a colecta. Partimos em seguida para a aventura: os vizinhos da avó. A tarefa é facilitada porque alguns já conhecemos, outros apenas de vista. Tocadela, daqui, tocadela dali e vizinhos…nada. Mas o moral não esmorecia. Os sacos estavam bem abertos e a voz bem preparada para o grito. Ao afastarmo-nos da 5ª porta, lá ouvimos um ranger e…”boliiiiiinhos!” Conseguimos a primeira oferta em território alheio: umas belas nozes! Agradecemos e recebemos um reforço na equipa. Juntou-se o Salvador e a sua Tia que, tal como eu, queria transmitir ao rapaz a saga dos bolinhos. “Ó pai olha esta casa tem as persianas abertas! Aqui vamos ter sorte!” Tocaram na campainha, no batente, na porta e…nada. Vimos a vizinha seguinte a entrar em casa e gritámos em uníssono “Boliiiiinhos!” antes de qualquer possibilidade de fuga. Lá vieram uma quantas broas de mel para dentro dos sacos. Depois dessas broas passámos por um período de abstinência mais ou menos prolongado. Em 9 casas não obtivemos qualquer resposta. Comecei a notar algum esmorecimento nas hostes mas “Um caçador de bolinhos nunca baixa os braços, quanto muito levanta os braços para espreitar para o interior do saco!”. Depois desse período de trevas, as crianças tocaram a uma campainha ainda algo descrentes. Veio uma senhora, espreitou um pouco a medo pela pequena abertura da porta e …. “Boliiiiinhos!” . O susto foi grande, mas teria de compreender que há já algum tempo as crianças não gritavam. Ainda denotando algum receio deu uma moedita a cada um dos petizes. A minha filha mais velha declinou educadamente a oferta. Eu tinha ouvido dizer que o dia dos bolinhos se tinha rendido ao vil metal, e em vez de broas os miúdos arriscavam-se a trincar uma moeda de 20 cêntimos. Quando a senhora viu a sua oferta ser rejeitada, percebeu que não se tratava de uma qualquer esquisitice, mas que estávamos ali de forma genuína à cata das guloseimas. Fez um sorriso e libertou-se do receio. “Esperem um pouco que venho já!”. Depois de lá ter ido dentro e, antes de despejar rebuçados nos sacos impacientemente abertos, colocou uma das mãos na cara de cada criança e perguntou: “como te chamas querido?...”. Olhei para a senhora e encontrei aquilo que procurava no dia dos bolinhos. A lembrança daquela senhora de cabelos brancos que morava numa rua perpendicular à da minha mãe e onde eu e a minha irmã, encontrávamos sempre as melhores broas. E só as mereceríamos depois de sentirmos a palma da sua enrugada mão na nossa cara e um carinhoso “Tomem lá meus queridos!”. Ali não havia necessidade de desligar a campainha ou esconder-se atrás das cortinas. Havia prazer, um prazer enorme em dar, igual ao que nós tínhamos em receber. E como as broas eram saborosas….
Estava eu a meditar na minha infância e na senhora simpática das melhores broas do bairro, quando o meu filho mais novo me puxou pelas calças e perguntou: “Pai, achas que para o ano posso vir pedir bolinhos mascarado de Homem-Aranha?”

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