quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A Percentagem da Média Europeia



Preciso de desabafar. Mas não me basta desabafar com o pessoal cá de casa. A magnitude da minha indignação não desaparece com uma simples queixa à esposa ou aos filhos, até porque eles começavam logo a gritar: Queixinhas! E pai que se preze não pode correr esse risco. Decidi assim, exteriorizar a minha mágoa e submeter os leitores ao meu manifesto de revolta sobre o rumo que o ensino em Portugal está a levar. E eu pergunto em jeito de catarse: Como é possível tanta IMBECILIDADE? …Ahhhhh,….pronto,… já me sinto um pouco mais aliviado. Desculpem, mas tinha este sentimento a dar cabo do meu intestino grosso. Não sei bem porquê, mas quando penso nas medidas recentes para dar cabo do que resta do ensino, só me vem à cabeça…o intestino grosso(?). Sou professor há 16 anos e, quando comecei a dar aulas, estava convencido que o meu papel seria precisamente dar boas aulas aos meus alunos. Agora vêm-me dizer que o meu papel passará pela elaboração de resmas de papel cheias de percentagens. A minha visão do ensino, onde o professor se empenha para educar os seus alunos, para lhes ensinar matérias e valores humanos, está caduca. Agora a malta só quer saber de percentagens. Tudo começou porque a nossa percentagem de abandono escolar era muito superior à da média da união europeia. Já contaram as vezes em que se ouve a “média da União Europeia”? E à “média” aparece sempre adjacente a “percentagem” e a este termo também aparece sempre um tipo de gravata a dizer “temos de mudar estes valores!”. Que valores?...os das percentagens em relação à média. Temos de apostar de uma vez por todas na “Formação”, dizem os entendidos. E eu fiquei a pensar: Ora bem, formação, educação, exigência, disciplina, competência,…Não!...percentagens! Medida de fundo? A transformação de objectivos educacionais em números. Assim, as escolas mais brilhantes para se candidatarem ao título de ”Escola Mais Dentro da Percentagem da Média da União Europeia” devem atingir percentagens de sucesso na ordem dos 95%. Mas e se, por um acaso, a turma for assim muito fraquinha…Não Podem!...e se na turma existirem muitos alunos que se estão marimbando para as aulas …Não Podem!...e se na turma, existirem no teste de Português respostas do tipo “ Sofia de Mello Quê?...Sofia só conhesso a gaja da padaria que tem umas gandas trancas!”…Não Podem, e pronto! Com o “Pronto” aparecem todos os planos de recuperação para esses alunos que têm grandes dificuldades em manter atenção à aula, porque ali ao lado, no café, estão os amigos a beber uns finos e a fumar umas coisas que fazem um gajo rir. Mas se por sua vez, estes planos de recuperação não resultarem, elaboram-se novos planos de recuperação, até que o aluno consiga recuperar(?)…nem que seja da ressaca da noite anterior. O termo recuperação suscita-me algumas dúvidas. Recuperar pressupõe o acto de reaver algo que já se adquiriu. Mas se os tipos não sabem, nunca souberam, nem querem saber, vão readquirir o quê?. Mas agora descobri o que os entendidos queriam dizer. A recuperação no ensino moderno funciona da seguinte maneira: “Ó Vasco descobre aí quanto é a raiz quadrada de 58!”….(isto é o Vasco a pensar)….Hã? responde o Vasco. “Temos de fazer um plano de recuperação para ti Vasco.”… “Dá-me lá então um exemplo de 2 números cuja soma dê 58!”....(Vasco pensa novamente)…”Hã?” “Pronto, agora que já te fiz uns planos de recuperação, esta vais resolver: Qual é o número que aparece após ao 58?”... Ó profe, “após” quer dizer o quê? …Ó Vasquinho (isto é o profe a “recuperar” a infância perdida do Vasco),…ficamos pela conta de somar do 5 + 8, está bem? E o Vasco viu recuperado o seu conhecimento do 1º ano durante a frequência do 10º ano. “Muito bem Vasco, conseguiste chegar ao número 13 sem calculadora (parece que já a querem incluir no ensino básico, que isto de fazer contas dá muito trabalho). Estou mesmo a ver o futuro patrão do Vasco na empresa de caixilharia, a fazer-lhe planos de recuperação depois do rapaz ter montado 20 janelas um pouco desniveladas. “Vamos lá Vasco, lixa lá mais 10 caixilhos que um dia chegas lá!” Agora com o novo estatuto do aluno parece que o Vasco nem tem de ir às aulas para recuperar. Isto é que é exigência! “Patrão, hoje não me está a apetecer ir montar janelas!...e se calhar amanhã também não, vou dar um giro com a Vanessa!”..Ao que o patrão responderá: “Ó Vasquinho…, vai lá, mas olha que vou ter que te fazer um exame de recuperação!”
E temos assim milhares de Vascos como este, que conseguem cumprir a escolaridade obrigatória (parece que vai ser até ao 12º) sem saber quem era Camões e sem saber que para se ter algo tem de existir esforço. Se até o Cristiano Ronaldo sabe que “Se não se mexer, não rende”? O contra-senso disto tudo, é que nunca a sociedade exigiu tanto de nós enquanto profissionais; e nunca a escola exigiu tão pouco dos seus alunos enquanto futuros profissionais.
Desculpem, mas tenho de fazer outra catarse a ver se consigo aliviar novamente a tensão: “A todos os Pseudo-pedagogos que estão a conseguir transformar o ensino neste conteúdo inerte, cheio de permissividade e facilitismo, o meu mais profundo e intenso DESPREZO! ”… A vantagem de libertarmos assim, em jeito rude, as nossas energias negativas, reside no facto de nos manter mais calmos na espera paciente pelo dia, em que alguém consiga pôr em prática um plano de recuperação do próprio ensino.

2 comentários:

José Carrancudo disse...

Como já temos referido anteriormente, a maioria dos problemas da nossa Escola tem uma única origem: são os métodos pedagogicamente inválidos introduzidos no nosso ensino há cerca de 30 anos. Explicamos isso no nosso blog em pormenor.

Ora, as soluções não são difíceis: temos que reescrever os livros escolares, eliminando o método global de ensino de leitura, e reintroduzindo os exercícios de desenvolvimento da memória. E depois é só esperar durante 10 anos até que aparecem no 10º ano os alunos com a sua memória adequadamente desenvolvida, e com vocabulário activo suficiente, adquirido por meio de leitura, e com capacidade de fazer as contas, já que conseguem lembrar a tabuada.

Basta de lamentos e perguntas retóricas, precisamos de actuar.

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom