quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Pai - Amigo


Estava a relação paternal tão descansada e eis que surgem os Pedopsiquiatras. Antigamente o pai dizia ao filho: “vai lá brincar com os teus amigos, mas estás aqui em casa às sete horas para ires ao banho e jantar”. Agora o pai diz ao filho “António, anda aqui brincar comigo até à hora de jantar, que eu sou um pai porreiro pá!” . Esta foi uma das grandes artimanhas que os tais pedopsiquiatras arranjaram para nos lixar a vida. Escondido nos livros, nas entrevistas, nas conferências, nas consultas, aí está ele para nos atazanar: o conceito do Pai-Amigo. E este conceito foi criado para atribuir ao pai, um papel que deveria ser do filho do vizinho do lado. Já ouvi pais dizerem orgulhosamente: “A nossa relação vai muito para além da simples filiação; eu sou o melhor amigo do meu filho!”. Alguma coisa está errada. Não era suposto o pai ser o melhor amigo do filho. Então é com ele que o miúdo vai comentar a magnitude dos seios da colega de turma? ou que bebeu uma ginginha às escondidas? Ou que jogou à batalha naval nas aulas de Matemática? Será com o pai que ele treina o seu léxico de asneiredo?... Não e ainda bem. O papel do pai é ser pai e não amigo. Aliás, ser pai é muito mais difícil do que ser amigo. O pai, para além de brincar de vez em quando, de aconselhar, também é aquele que dá um tabefe ao filho se este faltar ao respeito a alguém,….epá disseste tabefe?...nunca podes dizer tabefe,…nem sequer pensar nisso,…olha que os pedopsiquiatras andam por aí…
Tenho de confessar que eu próprio fui enredado por esta teia do pai-amigo. Também eu sinto por vezes, a pairar sobre as minhas acções educativas, os conselhos abalizados dos especialistas. E o pai bué da fixe é aquele que brinca muito. “Ó pai anda aqui fazer um puzzle da cinderela!”; “ó pai anda aqui brincar aos carrinhos!”; “ó pai anda montar uma casa na árvore!”;”ó pai vem andar de bicicleta!”; “ó pai faz-me lá um arco comós índios!”; “ó pai leva-nos ali ao parque da teia!”. E nós ali presos na teia da pedo-pedagogia. “Agora chega filhos, o pai está cansado”,…shiuuuu,…olha que o pedopsiquiatra anda por aí e ainda te diz que um “pai nunca está cansado de ser …pai amigo”. O pai vai-se sentar no sofá para ver um pouco de televisão “Ó pai agora vamos ver o dvd da pequena sereia, nessa televisão onde tu ias ver o futebol!”… “Sabes o que é que eu faço ao dvd da pequena sereia, sabes?”...Shiuuuuu,…lembra-te dos conselhos do doutor Alcides, “um pai nunca perde o controlo”… “Eu quero é que o doutor Alcides vá com o dvd da pequena sereia até à… Conchichina!”. Estas são as palavras do pai que já está um pouco farto de ser tão amigo.
Uma das variantes do Pai-amigo é o Pai-Ambrósio. O Pai-Ambrósio é o tipo que vai buscar o filho à escola e o leva às aulas no Instituto de línguas; depois vai buscar o filho ao Instituto de línguas e vai levá-lo às aulas de piano; depois vai buscar o filho ao piano e leva-o às aulas de natação. Tudo porque a criança precisa de ser estimulada o mais rápido possível, para aprender o mais rápido possível, para dar cabo dos pais o mais rápido possível. Podíamos também substituir o “estimular” pelo “ocupar”, que não é pedopsiquiatricamente tão correcto, mas na realidade há que ocupar a criança com aulas, muitas aulas, senão ainda sobra tempo para os pais terem de se chatear muito com ela em casa. Basicamente, o Pai-Ambrósio transformou em sentido literal, a abstracta função do pai “conduzir” a formação dos filhos.
Depois do pai ser Amigo e Ambrósio durante todo o dia, o miúdo diz “Ó Ambrósio,…ainda me apetece algo…”. Se ao Ambrósio não lhe apetecer dar algo,…o cachopo reclama e manda uns murros na mesa. Sim, porque agora um psicólogo até inventou um “Livro de Reclamações” para as crianças dizerem das suas ansiedades. Ao passar por uma livraria, abri-o um pouco a medo, e lá vinham expostas as inúmeras reclamações dos filhos(?). Numa página li qualquer coisa do género “o meu pai quando se zanga fica muito feio”. E não é que o doutor respondia à óbvia constatação do miúdo com uma frase do tipo “Sabes, tens razão,…”, entre um pai zangado e o Yeti, a diferença está apenas na pelagem. No nosso tempo, um filho que abrisse a boca para reclamar “Mas porque é que tenho de me sentar na mesa de jantar a…” já tinha apanhado uma galheta antes de chegar às “horas”.
Naquele dia o pai chega a casa cansado e diz ao filho que não lhe apetece brincar, nem contar histórias, nem fazer puzzles, nem pensar no Doutor Alcides. A criança reclama: “ Vens brincar e é já!”. O pai admirado responde “Mas tu pensas que estás a falar com o teu amigo ou quê?...”

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