quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O olho da senhora Yang


Não podia escrever uma crónica de natal sem fazer uma referência especial à loja Lin Pin Yang. Os leitores estarão decerto desapontados por nesta quadra não falar do espírito natalício, de Jesus Cristo, do bacalhau com couves, da árvore cheia de bolas e estrelinhas, do senhor que entra pela chaminé, do discurso do Primeiro- Ministro, mas só me ocorre a importância que a loja Lin Pin Yang teve no meu Natal.
Estávamos nós no momento mais emocionante do dia, aquele em vimos as nossas crianças transformarem-se em rasgadores compulsivos de papel de embrulho, quando, dentro daquela prenda volumosa, saiu um Robot, o tal que o miúdo tão empenhadamente pediu nos seus gatafunhos pouco decifráveis ao pai natal. E o pai natal mandou o Robot… sem pilhas. O problema foi quando o cachopo percebeu que aquele objecto preto e prateado, estava também inerte e sem acção; sem luzinhas a acender, ou armas a disparar; sem caminhar e dizer frases em inglês “I kill them all”. Tive de perder algum tempo a explicar à criança que faltavam as pilhas, que o pai natal, com a correria esvoaçante das renas, esqueceu-se daqueles energéticos objectos cilíndricos. E o alarve do robot, não era nada meiguinho. Só para dar uns passos, disparar uns tiros e dizer umas patacoadas, exigia 6 pilhas metidas no dorso. Não havia comando de televisão ou rádio despertador onde eu pudesse desencantar tão elevado número de pilhas e com isso acalmar os ânimos do miúdo. “Mas já viste que tens ali aqueles carrinhos da Hot weels muito giros, ou o puzzle dos piratas, ou aquele homem aranha com braços que se desencaixam?” ao que ele compreensivamente respondia “então e as pilhas?”. Tive que lhe explicar, de forma um pouco mais rude que, de entre as minhas virtudes, ainda não tinha adquirido o dom de transformar filhoses em pilhas alcalinas e a coisa ficou por ali, com a promessa de que no dia seguinte trataria disso. Esqueci-me porém, que no dia seguinte era feriado; já o meu filho não se esqueceu do funcionamento do seu robot. Onde iria eu, no dia de Natal , desencantar as malfadadas pilhas? Na loja Lin Pin Yang. Lá entrei, em busca da redenção do pai natal e fui logo recebido com um efusivo “Bom dia”. Os tipos não percebem patavina do que a malta diz, mas dão-nos logo aquela sensação de que sabem o fundamental: o cumprimento inicial e o valor em euros que nos pedem no final. Depois de algum tempo e de alguma mímica, a menina lá percebeu que, quando eu pedia pilhas para introduzir no orifício do robot, não estava a ofender a sua intimidade. Lá me encaminhou até às ditas e me perguntou no seu “poltuguês” achinesado se “quelia alcalina ou nolmal?” . “Dê-me as mais baratas!” respondi. “Mas pala calo com comando , alcalinas, no nolmal!”; “Não minha senhora o meu é mais robot”, recebi do outro lado a resposta “alcalina! Robot, alcalina!”. Já me viram isto? Então não basta ao alarve abotoar-se a 6 pilhas no dorso, e ainda exige que sejam alcalinas? Lá pedi contrariado as alcalinas e perguntei à senhora onde ficava a secção das chaves de fendas (sim, porque para além das pilhas tinha de arranjar a ferramenta para desaparafusar o dorso do robot). Mais uma ginástica mímica para ela perceber o que era uma chave de fendas e me indicar a zona “lá atlás”. Não sei se sou eu o único que tenho essa sensação, mas quando vamos para a secção mais “lá atrás” de uma loja de chineses, sentimo-nos gatunos em potência. A senhora está sempre com olho em nós e o irmão da senhora vigia-nos pelas inúmeras câmaras que pairam sobre as prateleiras, à espera de nos apanharem a meter no bolso uma chave inglesa ou um escopro. Mas eu não me podia queixar, afinal foram os tipos que me salvaram de ser mais um dia atazanado pela ansiedade do pequenote em ver o robot a produzir acção. Depois de agradecer à senhora Yang, vinha para casa, a pensar na quantidade de massa que os tipos ganharam a vender pilhas alcalinas as centenas de pais na ânsia de dar vida aos brinquedos dos filhos. O miúdo ficou contente e eu também. Afinal o robot, para além de levantar o braço e caminhar, dizia em inglês as suas acções; era didáctico e justificava a quantidade de pilhas que me obrigou a comprar(?).
Depois do almoço, lá fui tomar a minha bica. O café estava fechado; todos os cafés estavam fechados. Meti-me no carro e fui em busca de algum que satisfizesse o meu desejo pós-repasto. Quando estava quase a desistir, lá apareceu um café aberto. Consegui furar até ao balcão apinhado de gente e, ao pedir a minha bica, fiquei sempre com a sensação de que iria ouvir um “Senhol, quele cheia ou cultinha?”.

Um comentário:

vitorpt disse...

O "olho" da Senhora Yang é esse mesmo, de abrir quando os outros fecham, além de abrir quando so outros abrem, daí 10% de crescimento económico na China!
A solução passa por muita imigração chinesa, pá! mesmo com os portugas a fazer pouco, chegaremos com facilidade aos 5% de crescimento ao ano.