sábado, 30 de janeiro de 2010

Protesto Orgânico

Imagem retirada da net

Raramente escrevo crónicas a pedido, mas desta vez não posso ficar indiferente ao apelo do meu organismo que está farto de se levantar ás sete da matina. Na verdade este apelo, vem-se manifestando há pouco mais de 40 anos. No outro dia, ao abrir a janela e observar a escuridão da madrugada, o meu organismo teve uma conversa séria comigo e colocou-me o ultimato: “Ou escreves qualquer coisa sobre esta penitência matinal, ou amanhã não chegas a horas ao emprego!”. Não tive escolha e aqui estou eu a dar voz à sua indignação, em forma de pergunta “Porque raio nos andamos todos a levantar às 7 da matina durante toda a nossa vida?”. Depois de pensar bem, começo a ter de concordar com ele. Quando o despertador toca, o organismo não está preparado para acordar; está sim preparado para descansar à vontade mais duas horitas. E como percebemos isso? Com a violência da sapatada dada pela orgânica manápula no pobre do despertador. Aliás a própria evolução do despertador admite essa maldade a que sujeitam o organismo todas as manhãs. Antigamente tínhamos despertadores com sons de sirenes de emergência, que faziam o organismo saltar da cama como um trapezista mexicano, e o botão que nos possibilitaria parar com aquele arraial, estava bem camuflado entre as duas enormes campânulas. Os despertadores actuais tocam uma música suave com aumento progressivo da intensidade do ruído e têm um enorme botão para interrupção rápida da melodia através de uma sapatada sem falhas. O seu formato achatado é mesmo concebido para levar a tal bolachada sem que o organismo saia engessado. Mas mesmo com esta tentativa de atenuar a dor, o organismo acorda rabujando impropérios quase sempre dirigidos à entidade patronal.. Se eu fosse patrão, não gostaria que os meus empregados me chamassem nomes feios assim que acordam. Deixava-os acordar a horas decentes. E depois o trabalho? O trabalho fazia-se entre as 10h e as 16h. “Tu és maluco!?”… Maluco quanto muito é o meu organismo, que precisa de estar mais tempo na sorna. “Então e a produção?”. Eu próprio perguntei isso ao meu organismo e ele respondeu-me com um eloquente “Não estamos na época do Blu-Ray? Das câmaras digitais? Das máquinas que dão troco? Então inventem qualquer coisa para aumentar a produção sem nos fazerem sair da cama àquela hora!”. Eu sei que existem tipos que acordam mais cedo do que as sete da matina. Para esses a minha palavra de apreço, convencido de que estarão a caminho da beatificação com umas grandes olheiras. Ainda ontem estive a ver um programa sobre as consequências da falta de sono no organismo, que nos casos mais extremos pode levar à autodestruição. Fiquei a saber como a empresa de transportes norte americana Dupre , que estava a entrar em falência, conseguiu reverter a situação através do sono. Descobriu que o organismo dos seus motoristas estava a estampar os camiões contra postes de electricidade com alguma frequência e decidiu aumentar os tempos de sesta e dias de descanso extra. Os resultados foram esclarecedores em termos de ganhos económicos e de redução drástica de camiões estampados contra postes, tudo porque se percebeu que um organismo mais descansado é um organismo menos revoltado. Mas mais revoltado do que o organismo de um adulto é o de uma criança. Como pai, para além de ter de lidar todos os dias com a rabugice do meu próprio organismo para sair da cama, tenho de gramar com a acidez do humor matinal dos meus filhos. Mas para o sentir, tenho de abanar vezes sem conta os pequenos organismos que estão embrenhados em apelativos sonhos infantis. Também eu ficaria lixado se um tipo me viesse interromper a história do Obelix no momento em que este se preparava para dar uma tareia nos romanos e, ao invés dos “paf, puf, toing,” ouviria “são horas de ir para a escola”. E depois querem que as crianças gostem da escola.
Existe quem defenda que se nos levantarmos bem cedinho o dia rende mais. Mas rende mais para quê? Para o trabalho, que começa mais cedo. Deixem o meu organismo ficar na sorna! O organismo diz-me que se nos levantarmos menos cedinho a noite rende mais. E é na noite de sono que aparecem os sonhos. E nos sonhos, não há filas de trânsito, há viagens a Katmandu, não há bandidagem, há aventuras na Groenelândia, não há Primeiros-Ministros malandros, há travessias de veleiro no Atlântico, não há desemprego nem fome. Agora digam-me lá se o meu organismo não está coberto de razão? A malta precisa é de dormir bem e sonhar melhor. O meu filho estava a dizer no outro dia, que nunca mais chegava o fim de semana para poder ficar na cama até mais tarde. Revela que o seu organismo está no caminho certo, que não sofre do síndrome Marcelo Rebelo de Sousa o tal que acha que a noite é para passar a ler livros. Também há organismos esquisitos.
No meio desta revolta do meu sonolento organismo, o que me preocupa é ter de lhe explicar com jeitinho, que hoje é domingo e amanhã terá de sair outra vez da cama às 7 da matina. Temo que, mesmo com o atraente despertador achatado com suave música dos andes, o meu organismo não deixe de se manifestar entre dentes com um “Quem foi o ****** que se lembrou de nos fazer levantar a esta hora?”.

Nenhum comentário: