quarta-feira, 5 de setembro de 2012

JA 68

Não escrevia há mais de um ano. Desliguei o interruptor da escrita na mesma altura em que o tipo que fingiu governar o país , se refugiou num hotel luxuoso de Paris e foi estudar filosofia. Foi apenas coincidência. Não que essa fuga não  pudesse representar motivo suficiente para se trocar um criativo dedilhar em frente ao computador, por umas libertadoras estaladas num saco de areia pendurado no tecto com a imagem do tal personagem colada no tecido. A minha paragem teve como única razão plausível:  “não me apetece escrever e pronto” . Decidi regressar na altura em que se reúnem duas condições ideais para uma reentrée em … pequeno estilo. O facto de estarmos na chamada “silly season” (traduzida à letra - época parva), momento em que toda a malta está com o umbigo a apanhar o iodo da praia, e de, simultaneamente, ser também a “Season” de férias do Jornal Torrejano. Esses dois factores contribuem para que eu possa escrever sem grande pressão, uma vez que  numa época parva,  terei rédea solta para  escrever qualquer coisa parva e estar à vontade para, no caso da coisa parva que sair, for de uma excessiva magnitude, não estar disponível para uma pública leitura…  por encerramento provisório do jornal.  Na realidade eu teria muita matéria para explorar, porque não exploro nada há mais de um ano; e num ano acontece muita coisa…parva. Aliás não percebo bem porque razão se chama “silly season” à “silly season”.  Com tanta parvalheira ao longo do ano político, a época em que estamos dever-se-ia chamar de “silly season rest” (descanso da época parva). 
            Na verdade não queria recomeçar a escrita com coisas parvas. Queria entrar ao estilo duma recepção dos nossos atletas olímpicos ao aeroporto da Portela, com palmas e coroas de flores. Escolher um tema espampanante e ao mesmo tempo positivo. Espampanante e positivo,…?...deixa ver, … um recorde do Guiness…? É isso! Toda a malta gosta dos feitos únicos  do Guiness. Poderia explorar o recorde de cadeiras universitárias feitas em meia hora, mas esse feito, apesar de espampanante não deve ser único, e deixa-me com vontade de enfiar a cabeça dentro da retrete.
Escolhi um recorde explícito no título da crónica. “JA 68”.  Parece a marca de um whisky velho, mas não se trata disso. São duas iniciais e o número 68 que por acaso coincide com o ano do meu nascimento, mas também não quero entrar num exercício de egocentrismo, apesar de ter sido um bom ano de colheita… “JA” significa João António , nome desconhecido para muitos dos leitores, mas que bateu um recorde difícil de igualar, obtido em terras torrejanas. João António, professor de Educação Física, foi o treinador das  equipas femininas de basquetebol da Zona Alta, na época passada, em 4 escalões diferentes, um total de 68 atletas envolvidas. Poderão pensar que este número é insignificante comparativamente com o valor de 800 milhões dos nossos subsídios de férias, que continuam a ser torrados nas parcerias público-privadas. 68 é um número modesto, mas um bom número. É o número de miúdas que tiveram a sorte de jogar basquetebol num único clube torrejano.  Que relevância poderá ter esse feito de colocar 68 miúdas a lançar bolas para dentro de um cesto roto? O primeiro mérito começa logo por serem bolas que se lançam para um cesto roto e não o carcanhol  das nossas férias. A  relevância poder-se-á resumir à palavra “atitude”.  A atitude de um treinador que, por falta de mais treinadores disponíveis, dá o corpo às balas e abraça a tarefa de treinar 4 equipas(?) em simultâneo no mesmo ano. Jantar todos os dias à meia noite depois de um dia de aulas e de 3 treinos consecutivos  em horário pós-laboral; ocupar os fins-de-semana com 4 jogos dispersos pelos 2 dias disponíveis . Para qualquer um de nós parecerá loucura suprema, motivo para se meter nos copos, enfrascar-se de anti-depressivos ou começar a falar com as plantas. Para o treinador João foi motivo de prazer e de energia acrescida. Quando pensaríamos que no final do 3º treino do dia, iríamos ver um treinador cabisbaixo e fatigado, deparávamo-nos com uma sessão dada a mil à hora, entre palavras de incentivo e um frenético gesticular.  Poderíamos também falar dos inúmeros títulos distritais conseguidos pelas suas equipas, mas não será preciso.   Decidi  reiniciar a minha escrita com este exemplo de atitude de voluntariado e  competência  por achar que o país precisa de  exemplos destes, não para admirar, mas para seguir. São as minhas linhas de reconhecimento enquanto pai de uma das 68 miúdas que o João António ajudou  a formar com o seu exemplo.  Infelizmente para nós, o treinador rumará para outras paragens, provavelmente seguirá o caminho de muitos portugueses cujas capacidades serão aproveitadas num outro país.
O que nos vale, é que ainda teremos entre nós, o brasileiro que entrou no livro dos recordes por percorrer a maior distância em deslocamento à retaguarda, marca obtida (não por acaso) em terras lusitanas. Mas atenção, que o seu recorde estará em perigo, pois a “Silly season” está quase no fim e os nossos governantes estão prontos para colocar a sua  parva e obscena qualidade de pôr o país a andar para trás, enquanto despacham os que conseguem correr em  frente para outros destinos.

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