terça-feira, 5 de junho de 2007

O Nó da Gravata




Anda toda a gente à procura dos responsáveis pela crise. Pessoalmente acho que o principal responsável pela crise… já morreu. Aliás como convém porque assim posso responsabilizá-lo à vontade que, em princípio, não sofro qualquer represália ou tentativa de contestação. Pensando bem, tanto faz, porque com a justiça que temos, posso acusar publicamente quem me apetecer, que o mais certo é continuar na minha pacata vidinha no meio das couves e hortaliças. A descoberta do “bicho mau” assenta na conjugação de duas vivências pessoais díspares e conflituosas. O uso frequente do fato de treino versus a esporádica frequência de casamentos e cerimónias afins. O facto de ser professor de Educação Física, confere-me o privilégio de passar grande parte da minha semana vestido com fato de treino, para os invejosos e queixinhas, uma espécie de pijama. E percebo que sou um privilegiado quando tenho de ir a um casamento. Na fase de vestir a indumentária para a dita cerimónia festiva, pergunto invariavelmente: - Quem foi o cavalgadura que inventou esta coisa que nos estrangula o pescoço e o bem estar? E cheguei assim à génese da crise. Como é possível a malta andar bem disposta e tirar rendimento do trabalho com uma gravata enfiada no pescoço? É óbvio que o país tem de estar de rastos. Não sei se já repararam, mas para qualquer lado que nos viremos, estão todos de gravata enfiada no pescoço com ar triste e deprimido. Mas a culpa nem é do criador da gravata. Até penso que ele a inventou como objecto punidor do raça da cadela que passava a vida a fugir para o quintal do vizinho sempre que lhe dava o cio. Então ele meteu o primeiro tecido que tinha à mão enrolado à volta do pescoço da bicha para ela aprender a não ser desavergonhada e esquecer de uma vez por todas o garboso pastor alemão. A responsabilidade maior foi do vizinho, o dono do pastor alemão, que tinha a mania da moda e começou a dizer que aquele tecido até dava um ar elegante e distinto ao animal e que ia fazer a experiência nele próprio. Achou chiquérrimo. O dito foi passando de boca em boca e chegámos assim aos nossos dias, aos políticos, aos empregados de balcão, aos seguranças, aos apresentadores de noticiário e até, vejam só, aos futebolistas(?). Aliás não haverá nada mais deprimente do que ver um jogador da bola habituado a dar canelada, cuspir no chão, chamar nomes ao árbitro, coçar as partes baixas, dentro de um blaser com o nó da gravata na pescoceira tentando aparentar um ar respeitável. Se calhar o objectivo é comprimir o tipo de tal maneira, que quando ele se libertar da armadura e vestir os leves calções, corra muito mais dentro do campo. Assim à primeira vista ainda não notei resultados visíveis.
Mas o que me espanta é que, ao longo dos anos, não houve ninguém que questionasse este princípio aceite que a gravata é útil e fica bem. É útil para quê? Só se for para quando não houver guardanapos depois de comer o bacalhau com natas no banquete matrimonial; Para o rendimento no trabalho? Se um homem está desconfortável, como pode render mais? Perguntem a um bancário sobre a primeira coisa que faz quando chega a casa e vejam lá ele diz. Se não disser que vai fazer uma mija porque estava muito aflito, responderá que despe o fato e a gravata, para se sentir mais à vontade(!). Então que raio de país é este que não percebeu que um tipo mais à vontade rende muito mais e um tipo de gravata só poderá render menos? E quem é que disse que a gravata ficava bem? Mas como pode um homem ficar bem se se sente tão mal? A subversão associada ao uso da gravata, para além do fenómeno da auto-flagelação implícita, está na uniformização. O fato e a gravata massificam aparências; tolhem a originalidade. Penso nos personagens “sombra” que acompanham os tipos importantes. Atrás de um ministro estão sempre 50 indivíduos todos eles engravatados que oscilam de acordo com as movimentações do chefe. O ministro dá dois passos à direita e toda aquela massa sombra dá dois passos à direita; o ministro olha para o céu e todos olham para o céu; o ministro pede para o ajudarem a fazer contas e todos têm um ataque de tosse, o ministro dá uma bufa e todos põem a mão no nariz.
Agora puxem pela cabeça e pensem quem toma as verdadeiras decisões do futuro do país. Eu sei que estão a pensar nos empreiteiros, mas façam um esforço e pensem nos políticos. E agora executem um exercício panorâmico para ver como estão vestidos os indivíduos na assembleia da república. Isso mesmo, os do cantinho esquerdo, apesar de ninguém querer saber deles, estão felizes e contentes; os restantes estão amargurados e revoltados. A razão, aí está ela…a gravata no pescoço e os uniformes cinzentos escuros. Se quem manda no país está reprimido e amargurado dentro das constrangedoras vestes, as probabilidades de nos conduzirem em direcção à depressão são muito maiores.
É chegada a altura de desfazer de uma vez por todas o equívoco lançado pelo vizinho do dono da cadela com o cio e dizer que a gravata, para além de não ser especialmente estética (apesar de já terem inventado umas com o rato mickey e o pato donald), é mais compatível com o canto da boca cheio de gordura do que com o trabalho efectivo. Como tal, senhores: é hora de retirarem as gravatas, arregaçarem as mangas, para ver se a malta perde de uma vez por todas esta sensação de quem tem uma gravata apertada à volta do pescoço.

Nenhum comentário: