quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sopas em descanso


Falaram-me do Congresso das Sopas em Tomar como um evento a não perder. Empurrados pela saciedade incontrolável da minha mãe por esse alimento líquido lá fomos... À entrada de Tomar começaram as Bichas. Não das solitárias mas daquelas com muitas pessoas a ver o traseiro das outras. A bicha não é mais do que o início de um ajuntamento; empata o nosso tempo; faz-nos pensar que estaríamos muito melhor em casa a comer umas morcelas debaixo do alpendre. Mas imbuídos do espírito persistente lá fomos (lentamente) para o local do repasto. Ao chegar, não queria acreditar na magnitude daquele ajuntamento. Gente por todo o lado, aos magotes e todos se encaminhavam para a exígua ponte que conduzia ao éden das sopas. Fui para a bicha da bilheteira com a permanente sensação de que me iria arrepender do acto. Dei 8 euros por cada bilhete, consumando-se o caminho sem regresso: a enorme bicha dos condenados a uma sopinha. Uma hora depois, os portões abriram. Finalmente a bicha passava de estática a dinamicamente estática. Algum tempo depois,...entrámos, recebemos as tijelas, olhámos à nossa frente e vimos aquela massa compacta de gente a gladiar furiosamente em frente das panelas . A questão seria descobrir a melhor maneira de furar na multidão para conseguir levar sopa à nossa tijelinha. Nestes locais deveria ser feita uma selecção dos mais aptos para a luta. Apenas deveriam entrar indivíduos com mais de metro e noventa ou 80 quilos de peso, com excelentes qualidades de pugilista e ter na sua árvore genealógica um malabarista do circo de Monte Carlo. A minha mãe é paraplégica, a minha mulher mede 1metro e cinquenta, a minha filha tem dois anos e eu não cumpria nenhum dos requisitos exigidos. A nossa equipa jogava em clara desvantagem. Na primeira incursão da minha mãe à banca mais próxima da entrada, percebeu-se que não haveria tréguas de qualquer espécie. A fúria pelo caldo estava ao nível da distribuição de ração num campo de refugiados no Ruanda. Empurrão daqui, chapada dali, pontapé dacoli, cuzada dacolá, tudo servia para eliminar os adversários. Não havia ordem de chegada ou ticket de marcação, tudo valia. Só os mais fortes sentiriam o sabor daquela sopa de peixe. Se a cadeira de rodas era um handicap naquele combate pela selecção natural, o metro e cinquenta da minha mulher apenas lhe permitiria passar debaixo das pernas de um qualquer daqueles tijolos do enorme muro erguido à sua frente. Sobrava eu que entretanto andava a perseguir a minha filha no meio do labirinto de coxas. Passei ao ataque em nome da sobrevivência! munido de duas tijelas fui em busca de víveres para os meus. Sem piedade, transformei-me num implacável caçador de sopa naquela selva sem lei. Da minha caçada resultaram 4 sopas para cada um, nada mau atendendo à agressividade das feras concorrentes. Como ferimentos de guerra apenas a lamentar vestígios de sopa da pedra nas calças e nas sapatilhas.
Enquanto tentava ingerir apressadamente a minha sopa, olhei para aquele cenário apocalíptico e vi as pessoas bem dispostas. Não fazia nexo. Comecemos pela sopa, aquele alimento que nunca se pede no restaurante e se evita repetidamente em casa, ser capaz de gerar tão desmesurada cobiça. Depois, a quantia desembolsada, que faria supor uma refeição de qualidade. Sugar a sopa à pressa e em andamento até a banca seguinte, equilibrá-la numa só mão sem deixar cair o copo de vinho e adoptar uma postura de permanente vigilância contra encontrões alheios, é tudo menos uma refeição de qualidade . Depois de 4 sopas e 48 apertões, estava farto. Pelo contrário, toda aquela gente só sairia dali depois de rentabilizar bem o investimento, ou seja, após a ingestão de 8 qualidades de caldo verde, 7 de sopa de peixe, 12 de sopa da avózinha, 6 de sopa de cação. Tudo a que tinham direito...até a azia.
Saí aliviado e descobri que a grande virtude daquele evento foi exactamente o alívio que senti por ter saído. Esta experiência também me facultou a certeza de que, os 8 euros da próxima edição do congresso das sopas, serão reservados para um descontraído almoço num qualquer restaurante, pensando em todos os coitados que estarão a levar encontrões enquanto eu saboreio sentado a minha sopa de legumes.

Um comentário:

Anônimo disse...

amigo miguel

infelizmente não conseguiste viver o espirito do encontro já histórico da bela Cidade de Tomar, o festival está aberto durante 5 a 6 horas e não falta nem sopa, nem pão, nem pinga,...

é necessário deixar passar os apressados e saber com calma desfrutar deste excelente evento que já tem várias réplicas pelo País fora.
abraço
hgtg