quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Como espalmar a actualidade

Fui agarrado pela rotina do “Pai que leva a filha ao jogo” trocando o aconchego do travesseiro, pelo traseiro sentado na gélida bancada do pavilhão. Estava eu a fazer de Cheer Leader juntamente com os outros pais, quando chegou o meu amigo João. Cumprimentou-me e pediu-me o jornal. Achei estranho. Quando pensava que me iria dar o seu apoio na claque dos pais empenhados, que comentaria comigo a prestação fabulosa da minha filha a tentar correr atrás da bola, verifiquei que trocou essa tarefa pela leitura do Diário de Notícias…?... Continuei a ver as miúdas a tentar concretizar com algum sucesso a árdua tarefa de colocar a enorme bola dentro do pequenino cesto, fazendo um esforço para não me revoltar com o criador deste desporto quase masoquista, que, para além da abertura quase microscópica do cesto que inventou, ainda o colocou a mais de 3 metros do solo, mesmo para fazer sofrer os pais. Quando terminou o 2º período, olhei em busca das notícias do jornal e nada. O João continuava ao meu lado , mas o jornal tinha sumido. Perguntei-lhe pelo jornal e ele apontou com o indicador na direcção do seu traseiro. Por momentos pensei que ele tinha utilizado as folhas do mesmo, para uma leitura fisiológica, mas, ao ver o bordo da página 37 a sair junto às calças do meu amigo percebi. Ele já tem a graduação superior da licenciatura “Pai que leva os filhos aos jogos”, conseguida por inúmeros campos de futebol arejados do distrito e arredores. A longa experiência adquirida em bancadas gélidas já lhe forneceu mecanismos de defesa para o não enregelamento dos glúteos. É certo que as folhas espalmadas do meu Diário de Notícias pediam clemência, mas a bunda do João, essa, estava mais quentinha do que a minha. Quando me viu a olhar para o meu pobre jornal com uma expressão de admiração, riu-se e perguntou-me se não conhecia a técnica. Não conhecia, mas fiquei a conhecer e “Agora passa para cá as páginas do desporto, que eu também quero a bunda quentinha!”. Ainda pedi mais páginas para o outro pai que tiritava ao meu lado, que se contentou com a secção dos classificados. Estávamos ali os três sentadinhos em cima das folhas do jornal e, por momentos, dispersei a minha atenção do jogo, para as notícias espalmadas entre o traseiro e a bancada. Na realidade eu estava sentado em cima da entrevista do treinador do Porto sobre o árbitro que irá apitar de forma tendenciosa o próximo jogo da sua equipa e a crise do meu Sporting que tarda em encontrar um novo rugido. Apesar do meu rabo estar relativamente mais quente, não consegui deixar de cobiçar o jornal do próximo. E, foi com um sentimento de alguma inveja, que pensei se a bunda do João não estaria mais quentinha. Ele tinha ao alcance da sua badana toda a efervescente actualidade política do nosso país . Começava pelo final da campanha eleitoral com Cavaco Silva a querer…(vejam bem)…”fazer voltar os tempos de credibilidade”. Eh,eh,eh. O tal que disse ter alertado repetidamente para a situação caótica do país. A primeira dama será testemunha das vezes que ele lhe sussurrou, ao deitar, repetidas vezes que o país tinha de mudar. Alegre denuncia “batota” do candidato da direita; Alegre um homem íntegro, sem batota ou contradição implícita; o homem que tanto insulta os amigos como lhes dá uns abraços e beijinhos na testa. “Dirijo-me à classe média e a todos aqueles que pagam os seus impostos” dizia Alegre na campanha alegre, tendo sido interrompido no momento em que se preparava para dizer “a essa classe média que o meu partido aniquilou, eu quero dizer que eu estou com vocês…e com o meu partido, e com todos os partidos que me quiserem…” . Quando lerem esta crónica já um dos dois terá a bunda quentinha sentada na poltrona do palácio de Belém sem ter recorrido ao aconchego de um jornal diário. Eu continuo aqui com alguma inveja por o meu amigo estar sentado em cima do Cavaco, do Alegre e daquele rapaz do PS, o Sérgio Pinto, muito elogiado por contrariar o voto do seu partido que tinha deliberado pela penalização a sério dos alunos violentos. Um rapaz de coragem por ir contra o aparelho partidário e decidir opor-se a uma das poucas decisões lúcidas deste governo. É preciso coragem e pontaria…eim? À falta de melhor tenho de me contentar em sentir algum calor com as notícias do desporto. Não posso continuar a invejar o potente calorífico arranjado pelo meu amigo, que até tem a possibilidade de aumento de potência com a notícia de que “Portugal aguenta juros de 7% por uns tempos” acompanhada pela fotografia de Teixeira dos Santos…como eu gostaria de colocar a bunda em cima daquilo…ou daquela aquisição de 2655 viaturas para o estado, no valor de 35 milhões de euros…(?)…alguns dos quais me retiraram este mês do ordenado.
O jogo da minha filha terminou e a cachopa lá conseguiu a enorme proeza de meter uma vez a bola dentro do cesto. No próximo encontro, já não me deixo enganar. Vou trocar o Diário de Notícias, pelo volumoso Expresso. Assim não corro qualquer risco de enregelamento das carnes traseiras, ao mesmo tempo, que me sento com firmeza em cima da nossa deprimente actualidade política.

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