segunda-feira, 21 de maio de 2007

Curto-circuito

Tenho de confessar que me assustei quando ouvi repetidamente o termo “Choque Tecnológico” como a grande prioridade do governo. O tecnológico até soa bem, lembra-me aqueles filmes do Espaço 1999, da Guerra das Estrelas ou do Matrix. Naves espaciais com homens orelhudos, lutas com espadas florescentes e tipos contorcionistas a fugirem de balas que voam em câmara lenta. O que me custa perceber é de onde é que se desencantou o termo “choque” como uma proposta dinamizadora e estimulante. Será que nunca apanharam uma descarga eléctrica na vida, para saber do desagradável que é um tipo ficar ali em tremideira à espera que alguém desligue a corrente? Se choque fosse algo de bom, não dizíamos aos nossos filhos: Ó Zé tira lá os dedos da tomada senão ainda apanhas um choque e duas palmadas! Assim de repente não me lembro de nenhum choque divertido. Temos o exemplo do choque térmico sentido pelo indivíduo que está 2 horas a comer camarões tigre à torreira do sol e depois da última imperial resolve dar um mergulho nas águas gélidas da nossa costa. Fica logo com azia e cheio de vontade de voltar à toalha e às gambas. O choque entre um carro e um eucalipto adulto. Os bombeiros a desencarcerar os ocupantes do veículo sinistrado dizem para um deles: Valente choque, eim? Vá, agora deixe-se de fitas e corra até à ambulância que é p’rá gente o levar ao hospital tratar desses ossos fracturados! Será também ridículo imaginarmos os prisioneiros das cadeias em Bagdade a levarem com uns choques nos costázios e, enquanto se contorcem vigorosamente, os guardas pensam: - Pára lá com essas risadas para aplicarmos mais uma descarga de volts nesse corpinho. Mas o Primeiro Ministro percebeu que meteu o pé na argola. Descobriu que a palavra “choque” soava mal a qualquer indivíduo lúcido e resolveu trocá-la por “Plano”. Assim, se repararem, ultimamente fala-se apenas em “Plano Tecnológico”; eliminou-se a sensação de “fronha contra o inamovível eucalipto” e passou-se a um termo mais simpático, menos abrupto. No “plano” ficamos com a ideia que existiu um estudo prévio; não é só meia bola e força. O “plano” é algo para ser ir fazendo, pode ser alterado ao longo do tempo, ou não ser feito de todo; não é como o “choque” que se apanha e pronto. E chegou-se assim ao “plano tecnológico”; a prioridade que ninguém percebe bem o que é, mas que todos apoiam por se lembrarem com saudosismo do mundo ficcionado do Mr Spock na nave “Enterprise” a dar palmadinhas nas costas ao capitão Kirk. Explicou-me um amigo mais iluminado que o plano tecnológico pretende, entre outras coisas, ligar todas as escolas entre si via Internet, para os alunos terem assim um acesso mais rápido e fácil à informação. Depois vi o engenheiro Sócrates dentro de uma Sala de Aula Virtual todo contente a explicar como o aluno poderia ver no ecrã gigante toda a informação de que precisava. São destas medidas de fundo que o ensino precisa; cada aluno com o seu computador conseguindo aceder a toda a informação fundamental ao seu desenvolvimento. - Ó stôr, pode vir aqui explicar como se chega à página das “Loiras aos saltos”! Disseram-me que nesse site se aprende com facilidade as leis da Física e os conceitos de anatomia aplicada às…loiras! Mas a sala de aula virtual, espelha bem o ensino que nos pretendem impingir daqui a pouco tempo…um ensino integralmente virtual, onde o professor está ali para ir buscar uns sumos ao bar, apanhar pastilhas do chão e eventualmente, com sorte, assumir um papel mais activo a matar uma aranha que passe por cima do teclado. Mas será que estes tipos são mesmo idiotas ou acreditam sinceramente nisto? Desculpem-me lá mas isto só vai com linguagem de choque. Se colocarmos um imbecil em frente a um computador com acesso a toda a informação disponível na Internet, ao fim de um ano ele passará para um estádio de desenvolvimento humano superior? Não. E sabem porquê? Porque para o desenvolvimento humano efectivo, é necessário contacto humano. Contacto com alguém que nos diga sem ecrã que o pacote de leite chocolatado não se atira para o chão; alguém que nos puna quando não somos responsáveis; que nos recompense quando somos solidários; alguém que seja exigente e retire de nós o que pensamos não ter para dar; alguém que nos dê uma reprimenda quando faltamos ao respeito a outro. É disto que a Educação trata e é isso que as escolas estão progressivamente a perder, porque todos esses indivíduos que enchem a boca com planos tecnológicos, que decidem sobre o funcionamento das escolas sem as conhecerem, acham que o que faz falta na escola actual não é a disciplina, o trabalho, a exigência, o tempo para o convívio, mas sobretudo um acesso facilitado à informação, seja ela qual for. Espero melhor para os meus filhos; espero que tenham aulas interessantes dadas por professores motivados e competentes; espero que lhes seja incutido o valor do trabalho como forma de singrar na vida; espero que não sejam enclausurados durante todo o dia numa sala repleta de computadores; espero que possam gritar de vez em quando “Feriado! Vamos jogar à bola!” quando o professor não vem; espero que sejam punidos quando se portarem mal e elogiados quando fizerem bem. Pelo rumo que isto está a tomar, temo que a sua geração possa ficar conhecida como a geração dos trabalhadores virtuais, composta por indivíduos fantásticos na manipulação do teclado. O único problema do ensino cibernético será se, por qualquer imponderável, a luz for abaixo.

Um comentário:

vitorpt disse...

Tanta coisa para ser dita... e lida. Acho até que o engenheiro pinto de sousa, deveria criar no seu gabinete mais um espaço, mesmo em contraplacado, com mais uns 50 assessores só para lhe lerem as crónicas interessantes que vão aparecendo, como cogumelos, nos blogs... só para tomar o pulso ao país realmente... virtual.
Vá Miguel, dá-lhes com toda a pujança e...
Força!