quarta-feira, 23 de maio de 2007

Rosto Pálido tem um novo LCD


A minha adolescência foi marcada de forma determinante pelos livros do Tex. Chegava da escola extenuado, arranjava as minhas 4 sandes com tulicreme e punha-me no quarto a ler as histórias do meu herói predilecto, aproveitando para encher o livro com as migalhas que iriam cair no colo da minha irmã quando os abrisse de seguida. Partilho esta enternecedora história de infância para perceberem que a minha personalidade foi, em grande medida, moldada pelos duelos fratricidas entre índios e cowboys nos tempos do faroeste que se traduziam posteriormente, nos duelos fratricidas entre eu e a minha irmã, porque ela não gostava lá muito das migalhas dentro do livro. E Foi, com esta imagem dos pistoleiros bons a dominarem os índios quase sempre maus, que eu cresci. Raras eram as histórias em que os índios, representavam o bem, salvavam velhinhas, ajudavam a montar os acampamentos dos colonos e comiam xupa-xupas daqueles que pintam a língua de verde. Em quase todas elas, os Peles Vermelhas (até lhes atribuíram uma cor sanguinária para realçar a sua malvadez) atiravam flechas a fazendeiros indefesos, arrancavam escalpes a criancinhas loiras e ainda por cima pintavam a cara e grunhiam em cima de cavalos sem selas. Tudo isto para que o Grande Tex, pudesse salvar os fazendeiros, as criancinhas loiras, mandasse umas murraças nas pinturas foleiras dos peles vermelhas e nós continuássemos radiantes a encher os livros com migalhas. No meio de todo este endeusamento do pistoleiro americano, surgiu o Gerónimo para nos baralhar as voltas. Gerónimo, grande chefe apache, revoltou-se contra o Rosto Pálido porque este queria ficar com as suas terras e vá de lhe dar umas coças valentes. Aí um tipo fica baralhado. Os cowboys não deveriam levar tareias dos índios. Mas se os tipos ocuparam as suas terras queriam o quê? E a partir daí foi-se dando a minha viragem enquanto admirador do Cowboy bom que dá enxertos nos índios maus, para admirador do índio bom que dá enxertos nos cowboys maus.
Tudo isto vem a propósito do dia em que tomei consciência da magnitude do imposto(?) que irei ter de pagar pela minha casa e pelo meu terreno a uns tipos que não me são nada. Ao perceber do absurdo que é pagar a outros, algo que é… meu(?), apeteceu-me fazer um arco de madeira, flechas com penas de ganso, montar-me no meu…cão…, e passar ao ataque da revolta. Tenho a impressão que, com algum jeito, até conseguiria fazer um grito parecido com o dos índios com a mão na boca sem parecer um bocado amaricado. Gerónimo como eu te percebo! Volta Cochise estás perdoado!... Este “Rosto Pálido” está cada vez mais pálido de pagar, até o que já é seu. Há momentos em que me apetecia ser índio. A primeira grande vantagem é não ter de pagar imposto, bom, exceptuando as peles de urso ao futuro sogro pela mão da sua futura esposa. Mas sobretudo não tinha dinheiro para gastar, nem nada em que gastar dinheiro. Não sabia do último modelo do hi-pod nem tão pouco do portátil com mais gigas e dual band e sei lá mais o quê; os últimos sapatos da timberland que são caros como camandro mas também muito engraçados não rivalizariam com os mocassins; não tinha problemas de obesidade, porque tinha de perseguir e apanhar os búfalos e não levar uma cornada deles; não tinha carro para mudar o óleo ou as pastilhas; e era dono das terras…até vir o camelo do “rosto pálido” dizer que ou pagava imposto ou teria de sair. E assim estamos nós na época do nosso grande chefe Sócrates que taxa tudo o que mexe e o que não mexe; taxa tudo o que é dele e o que é nosso.
O cartoon de Grezegorz Szumovski, vencedor de um prémio no Porto, retrata um indígena segurando um arco a lançar um telemóvel que se encontra agarrado à sua flecha. Nele se pode ver o sorriso do índio quando estica a corda atrás e se prepara para mandar o pobre do telemóvel para as malvas. E esse sorriso é sintomático de que ele está feliz. A minha interpretação para o seu pensamento será: “é melhor mandar esta coisa com botões para longe não vá ela explodir nas minhas mãos e depois já não posso caçar javalis”. Obviamente que para os críticos, a imagem traduz algo bem mais rebuscado como a própria evolução do homem, a imagem da globalização. Um homem que nada tinha, evolui para um homem que toda a tecnologia tem. A tecnologia que lhe iria permitir ter mais tempo livre (?) e com isso maior qualidade de vida(?). Como se deve estar a rir Gerónimo da triste figura do rosto pálido. O tal que lhe retirou as terras para lá se estabelecer, passa os dias em frente a umas caixas com imagens esquisitas e a fazer contas a todas as contas que terá de pagar a outros rostos pálidos. É esta a sina do rosto pálido dos tempos modernos, montado no seu cavalo, tentando escapar a umas flechadas atiradas por outros da sua raça, à espera do momento em que cai desamparado no chão e ouve: Rosto Pálido Morde o Pó!
Agora chega de escrita, porque aqui o rosto pálido vai ali ver umas imagens numa outra caixa esquisita que não tem botões para escrever, sempre à espera que a mesma avarie, para o rosto pálido ter uma boa desculpa para comprar o tal LCD que dizem ser uma coisa em grande….

3 comentários:

vitorpt disse...

O problema é a falta de "índios"... e qualquer dia nem "rostos pálidos". Mas nunca compreendi muito bem essa de pagar imposto por uma casa que paguei com língua de palmo (juros incluídos), em que cada peça de material aplicado, loiças e mobílias levou com IVA e agora pago "renda" anual ao Estado no valor que eles entendem que é "justo".
O esperto vem para a TV gritar que não tem casa, a barraca mete água e a Câmara Municipal ainda não lhe deu casa. De seguida vem o vereador disser que só falta acabar umas pinturas para se entregar a casa aos necessitados...
Miguel, nesta estória já não sei quem são os índios e os cowboys...

Anônimo disse...

Interessante este texto que descobri hoje e interessante essa paixão na adolescência pelo Tex Willer... a mesma que eu tive e que se mantém até hoje, quase 30 anos depois, ainda mais agora que tenho toda a colecção do famoso Ranger, inclusive parte da minha colecção acabou de ser exposta no XVI Salão de MOURABD2007 que contou com a presença do prestigiado desenahdor Fabio Civitelli, por isso gostaria de saber se essa paixão pelo Tex findou ou se também continua até hoje...
Pela minha parte chamo-me José carlos Francisco e criei o que julgo ser o único blogue português do Tex, um blogu que já é uma referência na Internet mundial (www.texwiller.blog.com)

Anônimo disse...

Interessante este texto que descobri hoje e interessante essa paixão na adolescência pelo Tex Willer... a mesma que eu tive e que se mantém até hoje, quase 30 anos depois, ainda mais agora que tenho toda a colecção do famoso Ranger, inclusive parte da minha colecção acabou de ser exposta no XVI Salão de MOURABD2007 que contou com a presença do prestigiado desenahdor Fabio Civitelli, por isso gostaria de saber se essa paixão pelo Tex findou ou se também continua até hoje...
Pela minha parte chamo-me José carlos Francisco e criei o que julgo ser o único blogue português do Tex, um blogu que já é uma referência na Internet mundial (www.texwiller.blog.com)