segunda-feira, 28 de maio de 2007

Sair para fora cá dentro


Num destes fins-de-semana fora de época, decidimos rumar até ao algarve, essa região bem nacional onde o sol e as praias nos garantem momentos bem passados. Quando chegámos ao empreendimento onde ficaríamos alojados, verificámos um movimento pouco usual para uma época supostamente baixa. Aquilo parecia Oxford Street em dia de saldos no Arrods. Ingleses radiantes por todo o lado. A velhinha com a pele cor de lixívia e um corte “pente quatro”, o casal de “lagostins” que não sabia que o sol existia e queimava tanto, ou os putos bem comportados daqueles que não fazem birras nem atiram baldes de areia ao ocupante da toalha ao lado, todos eles estavam lá!
Logo na primeira noite saímos em direcção à rua principal para ver a animação nocturna naquelas paragens. À nossa frente ia um casal de ingleses já idosos conversando descontraidamente quando, qual filme de aventuras, salta do escuro uma criatura esguia com voz de grilo afónico, desbobinando em cima deles no espaço de 5 segundos toda a ementa do restaurante dos seus pais, com ingredientes e tudo. Ao mais comum dos mortais, aquela abordagem seria suficiente para originar um espancamento imediato à agressora ou 2 enfartes de miocárdio consecutivos. Aqueles idosos mantiveram-se inalteráveis e responderam com um delicado “tank you, we allredy eat”. Ficámos atónitos. Como é possível, aqueles senhores depois de serem “esfaqueados” por um estridente e inesperado “Hillo” e agredidos por 37.768 palavras em inglês sem vírgulas no meio, retribuirem com um agradecimento em vez de um estaladão. À medida que caminhávamos, assistimos a mais 3 assaltos ao simpático casal, todos eles vindos de “carraças” contratadas pelos restaurantes, que, tal como mosquitos que nos acordam às 4 da manhã com o seu agradável zumbido junto aos nossos ouvidos, nos apetece espalmá-los entre o chinelo de quarto e a parede. Apesar de todos os defeitos, esses seres repugnantes tinham a capacidade de seleccionar criteriosamente o tipo de cliente. E a ordem que teriam dos donos seria: “ó meu, eu só quero aqui malta da grana, topas? tudo o que seja português, marroquino, ou guineense não interessa! Eu só quero “steaks”, daqueles que confundem as notas de 5 com as de 50! O que é certo é que, mesmo que estivéssemos embrenhados no meio de 30 ingleses, disfarçados com bigodes e cabeleiras loiras, de meias de lã e chinelos, éramos descobertos e votados ao desprezo.
Procurávamos um restaurante onde pudéssemos comer um bom peixe assado na brasa.. À medida que avançamos, rapidamente descobrimos que dificilmente nos desenvencilhamos sem a ajuda dum dicionário de bolso. Os nomes dos restaurantes, transburdando de latinidade, perspectivavam uma busca dolorosa: “Jack’s grill”, “Irish Spot”, “Rick’s place”, “Frog’s”, “Garage”, “Mary Anns”, “Cross road”. Quanto às ementas, essas sim tinham todas um cunho bem lusitano : “Bacon and eggs”, “Full english breakfeast”, “roast chicken”, “chips and salad”, “apple pie and cream”, “special spare ribs”.
Depois de comermos um hamburguer, decidimos ir averiguar os programas de animação nocturna que os bares e esplanadas nos ofereciam. Então vejamos: para os mais desportistas ...“Tonigth at 10 pm football - England v Germany”; para os apreciadores de boa música ao som de bandolim...“Live music with Tom McLoughlin”; para os candidatos a cantores... “Karaoke - english and american music only”.
Porra! então e nós? não temos uma noite da água pé, um jogo de futebol entre o Tavira e o Quarteirense, ou um Karaoke com músicas da Agatha e dos excesso? Que discriminação vem a ser esta?
Depois de sentirmos uma revolta patriótica por descobrirmos que os ingleses tinham colonizado uma parte do nosso país, descobrimos que nem era tão mau assim. Afinal estávamos noutro país sem termos pago a passagem de avião, o aluguer do carro e a estada no hotel. Podíamos comer comida inglesa, ouvir música inglesa, falar a língua inglesa, bastando para tal percorrer 300 km num ferrugento citroen AX.
Quem deveria estar furioso, seriam todos aqueles britânicos que, ao pagarem uma passagem de avião, alugado o carro e pago a estada no hotel, em busca de uma nova gastronomia, de uma nova língua, de uma nova cultura, chegam à conclusão saíram de casa para chegar a... casa(?). And this explendid sun? Quanto ao sol,... bom,... que tal um “holofotezito” escondido no canto do quarto e um cenário artificial com traineiras e varinas? Sairia decerto bem mais barato. Mas não!...
...We love Portugal! Mas vocês não estão em Portugal seus ignorantes! como podem dizer que gostam de uma coisa sem a conhecerem? Para conhecerem Portugal vão ter que sujar as vossas delicadas mãozinhas com a gordura de uma sardinha assada, de beber um vinho Vidigueira sem o objectivo de se engrossarem, de trocar os passos ao tentar aprender dançar o corridinho, de fazer um esforço para perceber a nossa estranha linguagem, enfim, de se abstrair um pouco da cultura egocêntrica onde foram criados e se abrir a novas culturas numa atitude de clara humildade. Só assim, poderão dizer aos amigos, quando chegarem a casa, que conheceram uma região daquele pequeno país peninsular junto ao oceano atlântico, que para além do sol, tinha outros aspectos interessantes.
No final do fim de semana entregámos as chaves do apartamento à senhora da recepção que, curiosamente, foi bem mais simpática do que no dia da chegada. A resposta dada a um “Adeus” português era igual ao “Hello” inglês;...estranha coincidência(?).
Decidimos regressar no nosso Ax pelo interior alentejano, para melhor apreciar os montes multicolores próprios da época. Quando parámos num café para desentorpecer e ouvimos falar alentejano, sentimos uma alegria imensa por finalmente passarmos a fronteira para o nosso país. Aquele “atão compadre”, cheirava a casa e garantia-nos que aquela pessoa à nossa frente, de boné na cabeça e patilhas prolongadas, jamais libertaria um “Hello, how are you!”.

Um comentário:

vitorpt disse...

Miguel, gostei da crónica e só quero dizer-te que ultimamente nem a água do "allgarve" me convence, pá...
Mas sempre nos sentimos no estrangeiro sem necessidade de pagar o avião, lá nisso tens razão.