quinta-feira, 17 de maio de 2007

Grunhopitecus

Ao fim de alguns anos de observação exaustiva do comportamento humano descobriu-se que a evolução do homem não termina onde todos pensávamos que terminava. A descoberta de uma nova espécie humana, denominada por Grunhopiteco, veio revolucionar todas as teses existentes sobre o processo evolutivo. A dificuldade inerente a esta descoberta é tanto maior, quanto maiores são as semelhanças exteriores com o comum dos humanos. O grunhopiteco pode ser o seu vizinho, o seu padeiro, o seu médico, o seu contabilista, o seu marido e, simplesmente, nunca ter dado por isso. A grande característica revelada pelo grunhopiteco é o patológico saudosismo por tempos muito remotos; tal como existem pessoas que sonham viver no Antigo Oeste Americano; indivíduos que gostariam de ter vivido nos tempos da corte de Luis XIV, ou personagens que se deliciariam encarnar um gladiador durante o império romano, o grunhopiteco é uma espécie que vive na ânsia de retornar a 1,8 milhões de anos atrás(?), mais precisamente ao início da hominização com o aparecimento do Australopiteco, a espécie que representa o salto do macaco para o homem. Tal como o australopiteco apresentava progressos notáveis relativamente ao macaco, nomeadamente a posição erecta, a oposição do polegar , a modificação da dentição e um cérebro proporcionalmente maior, o grunhopiteco apresenta como principais evoluções relativamente ao australopiteco , a roupa que usa, a época em que vive e o uso do telemóvel. Tristemente, o grunhopiteco, ao pretender retroceder cronologicamente até junto do seu irmão australopiteco, cometeu um erro de cálculo, e saiu um apeadeiro mais à frente, ou seja, junto do chimpanzé. As consequências dessa pequena desconcentração levaram a que o grunhopiteco apresente um comportamento consideravelmente mais primitivo do que o australopiteco. Enquanto o australopiteco, mesmo com as barbas cheias de pulgas e a genitália em contacto directo com os raios ultravioletas, era capaz de manifestar gestos de alguma delicadeza para com os seus companheiros, como deixar uma doce australopiteca dar a primeira trincadela no osso do javali ou permitir a um amigo usar a sua fogueira para grelhar umas febras, o grunhopiteco é um espécime desprovido de qualquer tipo de sinal civilizacional,
Em termos taxonómicos, a espécie grunhopiteco subdivide-se em várias subespécies agrupadas em termos de similitudes comportamentais, eis algumas delas:
Passadeiropiteco – este tipo de grunhopiteco encontra-se em locais bem definidos e restritos. Surge invariavelmente em passadeiras de peões quando um automobilista está atrasado para o emprego. Começa por se lançar bruscamente sobre a passadeira por forma a fazer dois passos antes da chegada do apressado condutor. Depois de o obrigar a parar, abranda o passo, coloca as mãos nos bolsos e lança sobre o automobilista um olhar altivo e dominador. Se repara na impaciência excessiva do condutor, simula que perdeu uma lente de contacto para o fazer esperar mais um bocadinho. O que as pessoas não sabem é que esta lentidão na marcha do peão, para além de revelar uma clara dificuldade de sociabilização, prende-se com carências ao nível do bipedismo, tal como o seu primo chimpanzé.
Porcopiteco – Esta subespécie caracteriza-se por uma total incapacidade na identificação de caixotes do lixo. Como tal, todos os excedentes da sua actividade quotidiana são colocados em objectos fixos ou amovíveis, desde que não estejam pintados de verde com quatro letras escritas . A atribuição do nome “porcopiteco” a este espécime gerou alguns conflitos entre os Paleoantrolpólogos. O porco vive no meio do esterco porque não tem alternativa (o espaço é pequeno para o que produz) ao passo que o porcopiteco faz da alternativa o esterco. O sufixo “piteco” também não será adequado, pela notória dificuldade do espécime na preensão de objectos, que lhe caem das mãos duma forma perfeitamente espontânea.
Buzinopiteco – é o grunhopiteco infantil. Descobriu o som da buzina do carro, como poderia ter descoberto o som de um piano da “Chico” com ruídos dos animais da selva. Tal como os australopitequinhos se divertiam a atazanar o juízo dos pais batendo com as mocas nas paredes das cavernas, esta subespécie percebeu que o som da buzina estimula sensações de mal estar no condutor da frente, especialmente se a ouvir 5 segundos depois do semáforo ter ficado verde. Não pode ser levado a mal, pois é apenas um brincalhão que utiliza a própria buzina para exterminar a paciência alheia.
Trombopiteco – encontramo-lo em qualquer local de atendimento público. O seu comportamento é caracterizado por uma total ausência de sensibilidade no contacto com outros seres humanos. É um contrariado. Queria ser jogador de futebol, cabeleireiro, aviador, modelo, camionista, tudo...menos estar atrás do balcão a atender aqueles seres execráveis e ainda por cima receber dinheiro (!?). Hospitais, repartições públicas, cafés, são alguns dos locais onde facilmente se poderão encontrar exemplares deste espécime. A agressividade com que recebe os utentes, vem do instinto de defesa dos símios. Nos tempos do australopiteco, um macaco que esboçasse um sorriso, não era viril, como tal uma potencial e fácil presa para as bocas dos ferozes predadores.
Deficientopiteco – Constitui sem dúvida o espécime menos bafejado pela sorte. Este é o ser que estaciona o carro em segunda linha ou no local dos deficientes para ir fazer as compras da semana. É incompreendido por todos. O deficiente chama-lhe deficiente mental e o condutor do carro (que queria sair mas não pode) chama-lhe imbecil e manda-lhe um estalo nas ventas. As razões estão novamente na idade da pedra. Esta espécie herdou do gorila dois tipos de handicaps: a menor visão diurna para identificar o carro bloqueado ou a placa azul e o facto de se deslocar em quadrupedia, dificulta a sua mobilidade, compreendendo-se que queira estacionar a 4 passos da mercearia.
Clacopiteco – os exemplares desta subespécie também conhecidos por energumenopitecos encontram-se geralmente nas bancadas de estádios de futebol sob a forma de Claques. O seu comportamento tem duas facetas distintas: por um lado apresentam fortes ligações com o orangotango, quer no tipo de fonética rudimentar, terminando todos os grunhidos em “ão” ou “alho” , quer no tipo de linguagem gestual, muito similar à utilizada pelo símio na fase de pré-acasalamento; No entanto também apresentam uma faceta social de acção consertada com o grupo, ou seja, gostam de partilhar vivências entre si; não são egoístas. Se um apedreja uma montra, todos poderão apedrejar; se um agride uma velhinha, todos poderão agredir; se um rouba um chocolate todos ficarão com...cáries.
A comunidade científica ainda está atordoada com este regresso ao passado feito de forma massiva. Constata-se diariamente um aumento exponencial do número de casos descobertos assim como a proliferação de mais subespécies de grunhopitecos, sendo de prever que daqui a meio século mais de metade da população coma carne crua, se pendure nos galhos das árvores e cate pulgas nas orelhas dos amigos.

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