sexta-feira, 25 de maio de 2007

A problemática da flatulência

Um dos maiores tabus do nosso século é sem dúvida o flato. Tecnicamente, o flato representa a exteriorização da acumulação de gases no intestino. De uma maneira simples, é a libertação para o exterior de gases produzidos no interior do organismo. Essa libertação poderá ser materializada sob duas formas: O peido, é uma ventosidade extrovertida que anuncia a sua chegada ao exterior de maneira ruidosa. Quando a saída dos gases se processa sem qualquer sinal sonoro, dando um certo anonimato ao responsável pela acção, toma a designação de bufa. Em ambas as formas é libertado um odor geralmente pouco agradável para as pessoas próximas do autor. Nesta fase já o leitor estará chocado com o conteúdo desta crónica, demonstrando que realmente a flatulência é um tema tabu. No entanto toda a gente se peida, assim como urina ou defeca, por ser uma necessidade fisiológica. Se uma pessoa disser a outra que vai à casa de banho fazer Xi-xi, ninguém se escandaliza, até incentiva. O que soa mal é alguém dizer:
- Olha vou-me peidar ali na casa de banho e volto já!
A reprovação é imediata, o que nem tem muita lógica, dado que o visado foi realizar a sua acção de forma isolada com a preocupação de não incomodar o seu amigo. Pior seria se libertasse uma bufa e culpasse, com um olhar acusador, a inocente senhora que passava ao seu lado.
O desenvolvimento deste tabu ao longo dos anos tem uma relação directa com a sonoridade do nome atribuído ao mesmo. Se repararmos com atenção, o termo bufa é mais bem aceite do que peido. Soa melhor, é menos agressivo e mais suave. A bufa está para o peido como o xi-xi está para o mijar. Designam actos semelhantes mas produzem reacções bem diversas. Xi-xi é sem dúvida o termo mais agradável de entre os quatro e curiosamente o único que não vem no dicionário. É a tentativa de dar um ar mais infantil e carinhoso ao que é reprovado socialmente. Assim criou-se o “pum” para peido, lembrando a batida de um tambor, ou “cócó” para defecar, dando uma aparência galinácea e divertida ao acto.
O que todos deverão ter em comum é o condicionamento da sua prática à intimidade. São acções eminentemente solitárias, excepto para os menos recatados que guardam as bufas para serem libertadas no autocarro em hora de ponta, analisando a reacção das vítimas a posteriori. Na realidade os efeitos da bufa em locais públicos são similares aos provocados pelo fumo do tabaco. Ambos incomodam quem deles não usufrui. O caso do tabaco é um pouco mais perturbador porque traz malefícios à saúde dos outros. Daqui a uns anos aparece a LBI, “Liga dos Bufadores Inveterados” a reivindicar locais para se poder bufar à vontade sem medo de represálias. Nos aviões, restaurantes, cafés e bibliotecas será obrigatória a existência de lugares para Bufadores e Não Bufadores, devidamente sinalizados.
Mas se é aceite que o flato deverá ser libertado em privado, já não é tão claro qual o melhor local para o fazer. A casa de banho é o primeiro refúgio que vem à cabeça. No entanto, não existe lugar mais inadequado para a consecução do acto, fundamentalmente quando se têm visitas em casa, sabendo-se da excelente acústica proporcionada pelo formato da sanita. Por outro lado, a generalidade das casas de banho são locais exíguos e pouco arejados, sendo à partida desaconselhado o abandono de uma desagradável lembrança olfactiva aos utilizadores que se seguem, que não têm culpa da alimentação desregrada do “bufador”. O ar livre é o espaço no qual os riscos de agressão exterior dos nossos humores interiores são mais reduzidos. Se a libertação do flato coincidir com a passagem de um bando de aves migradoras e se realizar debaixo de 3 eucaliptos, os seus efeitos serão perfeitamente dissipados e imperceptíveis aos ouvidos sensíveis de um pianista e ao olfacto treinado de um criador de perfumes.
O tabu criado em torno do flato prende-se com regras socialmente e culturalmente enraizadas. No entanto, as normas sociais que reprimem o flato apresentam algumas lacunas. Vejamos o caso das crianças que são estimuladas a libertar a sua flatulência sem qualquer sinal de relutância. Até se acha uma certa piada e se comenta o cheiro da bufa do menino. Se um adulto, por descuido, deixa escapar um traque e diz: “Desculpem lá, mas acabei de me peidar!” , é aconselhado pelos amigos a consultar um psiquiatra, ou então a regredir cronologicamente até uma idade que lhe permita dizer e fazer o que lhe apetece sem ser reprimido, ou seja, aos 5 meses.
Quando alguém diz que peido é uma asneira, está a dizer uma grande...asneira. Peido, tal como flato, bufa ou traque, são palavras que fazem parte do vocabulário português e como tal jamais deverão ser rejeitadas ou originadoras de tabus. O flato contribui para a nossa sanidade e, renegar a sua existência, é esquecer que temos um aparelho digestivo incluído nessa criação suprema que é o corpo humano. Não se esperará que a flatulência seja o principal tema de conversa entre empresários numa reunião de negócios ou motivo de discussão entre senhoras finas num encontro de canasta. No entanto, se alguém “ousar” soletrar a palavra peido, não fará mais do que falar de algo banal e intrínseco à própria natureza humana.

Um comentário:

vitorpt disse...

Oh Miguel, é bem verdade que esta tua dissertação, quase equiparada a uma tese de mestrado, está bem esgalhada, mas... não me está a cheirar muito bem.
Agora tens de compensar com uma cronicazinha sobre as diferenças fundamentais entre "eau de cologne", "eau de toillete" e "parfum", ok?