sábado, 19 de maio de 2007

Diabruras do Cupido




Naquele dia o homem sentiu-se assolado por um espírito de romantismo exacerbado, e decidiu levar a mulher ao shopping. Por muito que a mulher diga que sonha com um jantar à luz de velas em frente a uma baía paradisíaca, ou receber um ramos de rosas vermelhas e ser levada a um concerto sinfónico, ou passear num barco a remos num lago cheio de patos e moscas, ou ver o pôr do sol numa praia tropical, no íntimo o que ela gosta é de esbanjar uma bela maquia nas lojas de uma grande superfície comercial. É sabido que a relação estabelecida entre a mulher e o shopping center é similar à do homem com as revistas de automóveis; o tempo que cada um passa a analisar é absurdo atendendo às compras que se fazem. No entanto, o gozo implícito de revirar todos os montes de cuecas no cesto dos produtos com desconto ou pasmar-se com o tablier em madeira da carrinha Volvo de luxo são traços inter-sexuais que devem ser preservados.
Chega-se ao shopping e o marido percebe que já não tem mão para segurar a sua cara metade. Esta parece um felino que encontrou a presa: A sua cabeça levanta, os seus olhos brilham e as suas pernas aceleram. O homem, ou acelera também o passo, ou é deixado para trás sem remissão. Mas naquele dia em que o Cupido acertou em cheio, teria de levar a sua demonstração de afecto até ao fim. E lá segue com dificuldade num passo de marcha rápida em direcção às lojas. Ela ataca em várias frentes; na secção das saias, nos cabides dos vestidos; na prateleira das camisolas; no balde das meias. O marido procura um local para se sentar, em vão. Incompreensível. As lojas deveriam ter em atenção o conforto dos acompanhantes, até porque um acompanhante confortável transmite também conforto à compradora que poderá demorar mais algum tempo a escolher e a comprar. Se o marido fica encostado a um pilar com cara de que já sentava a sua bunda em qualquer sítio, a mulher, se tiver alguma consideração não faz uma pesquisa tão meticulosa como pretenderia. Sai-se da primeira e entra-se na segunda loja. Os olhos do homem buscam apressadamente o bendito assento mas mais uma vez sem sucesso. Muda-se de loja, de pilar e de ombro encostado no mesmo; apenas o espalhafato da esposa na procura das melhores peças se mantém inalterável. Como não quer estragar o momento, o marido mantém uma cara sorridente, como que a dizer: querida, este pilar até é bastante razoável, não me dói nada o ombro esquerdo e quando troco de perna, não é cansaço mas apenas um exercício lúdico. Na quarta loja, já existia o bendito banco. O homem senta-se e agora pode observar com toda a atenção a movimentação que ali se desenrola. Repara que não existe nenhum outro homem romântico naquelas bandas; ele está só na missão de acompanhamento incondicional da esposa. Todas as outras mulheres não têm que se preocupar com o entrave masculino para as apressar ou reprimir. Depois de pegar em seis peças de roupa a mulher passa contente e diz que vai experimentar. Veste cada uma das peças e vem cá fora com uma pergunta que começa sempre da mesma maneira, mas no final é completada por diversos adjectivos: - “Não achas que me fica muito”… “apertada”,“curta”, “comprida”,“larga”? O que ela está à espera é que o marido lhe diga: - Não! Eu acho que ficas Esplendorosa com essa saia! Mas, naquele momento de conflito interno “sou um romântico disponível” versus “já não tenho pachorra p’ra tanta escolha”, o máximo que o marido consegue responder é: - eu acho que fica bem! Essa resposta para a esposa é de todo insuficiente para levar qualquer uma das 6 peças, e suficiente para ir à procura de mais seis. O marido mete os cotovelos sobre os joelhos e a mandíbula inferior sobre as mãos e apenas mexe os olhos. Procura novos estímulos e, para além das simpáticas empregadas de mini-saia, só consegue ver mulheres correndo de um lado para o outro, disputando roupas como se as mesmas se preparassem para fugir. Lá passa outra vez a sua cara metade em direcção à cabine de provas e o marido exemplar lança-lhe aquele sorriso (re)forçado do “estás à vontade querida!” No fim daquele tempo interminável de análise e experimentação, a mulher conclui que existe uma certa incompatibilidade entre a sua constituição morfológica e as tendências actuais da moda que a deixam invariavelmente com o umbigo ou a celulite à mostra e não leva “porra” nenhuma! O marido está fulo mas exterioriza uma enorme compreensão: - se quiseres podemos ir a outro lado ver alguma coisa que te sirva!? A esperança de uma resposta negativa cai por terra e espera-o mais um sem número de lojas e de outras tantas peças de roupa para vestir. Terminou a busca de 4 horas para a compra de 3 peças de roupa. O extenuado marido conseguiu chegar a casa vivo, mas imbuído de uma certeza: se o Cupido lhe voltar a lançar o projéctil do amor, um jantar à luz das velas em frente a uma baía paradisíaca está muito bem.

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